A Dúvida É Uma Grande Professora

 

Não é incomum encontrarmos a tradução, no ocidente, de que a primeira nobre verdade diz que “a vida é sofrimento”. Isso não foi exatamente o que Buda quis dizer em sua fala acerca das Quatro Nobres Verdades. A Primeira Nobre Verdade diz respeito à “dukkha”, um termo que significa algo como a insatisfação perante a instabilidade da vida. Se você parar para pensar isso é muito significativo, pois tudo o que encontramos na nossa vida é instabilidade.

Lembro-me da primeira vez que agendei um dokusan (entrevista com o professor) com Monge Genshō, e recordo-me que na hora fiquei muito ansioso com a situação por não saber o que falar naquela oportunidade. Mesmo com minha mente sofrendo com a instabilidade da vida, foi uma conversa muito agradável, a que tive com Genshō Sensei. No zazen, costuma ser a mesma coisa, é muito fácil desejar fazer um “bom” zazen e evitar um “mau” zazen. Mas quando você apenas se senta, confia na postura e começa a prática, é um momento igualmente maravilhoso. Quando abandonamos o apego de estar “correto”, de evitar o erro, damo-nos a oportunidade de entrar em contato com uma professora maravilhosa, que é a dúvida.

São incontáveis as vezes das quais nossas mentes agem para proteger o “eu” a qualquer custo. Porém, a prática do Dharma pode nos ensinar, a cada momento, que não é preciso temer o “erro” ou querer o “acerto”, o importante é não desperdiçar nenhuma oportunidade de tentar. A natureza instável da vida está além do “certo” ou “errado”. Quando classificamos os momentos nesses dois termos perdemos a chance de aprender com o que a vida nos oferece.

Quando começamos a olhar dessa maneira, abrimos mão do nosso “eu” em nossas decisões e começamos a aprender com a vida, ao invés de tentar domá-la como se fosse uma fera. Se alguém é mal-educado com você, essa é a oportunidade de exercitar a paciência. Sempre que um resultado é diferente do que esperamos existe uma oportunidade de treinarmos nossa reação para não gerar condições de sofrimento.

Se cessamos a guerra com os altos e baixos da vida, então abrimos oportunidades de desenvolver uma mente que aprende e reflete a natureza fundamental da vida.

 

Texto de Renato Oliveira, psicólogo e terapeuta clínico. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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