Encontrando o Caminho de Buddha

 

Certas coisas são tão difíceis para se começar, muitas vezes, temos essa intenção, outras vezes elas aparecem sem mandar sequer um pequeno bilhetinho pelo menos, marcando o local. Minha história dentro do budismo é uma história muito recente, porém muito intensa, como é a maioria das coisas que faço.

Quando me perguntam como foi que eu conheci o Budismo, costumo responder que ele estava escondido por entre as plantas do meu quintal, convivendo harmoniosamente com todos os seres, e todos interagiam entre si, mas eu não percebia, eu parecia estar de “fora”, com a vista embaçada pelo automatismo das tarefas profissionais do dia a dia.

Era manhã de domingo do mês de abril de 2019, quando depois de cuidar das plantas e dos animais de estimação, ao escovar os dentes, me voltar para contemplar o ambiente, de repente algo parecia se romper dentro de mim, senti uma grande estranheza naquela sensação, era um vazio imenso a tomar conta do meu ser emparelhado de um contido desespero interno por não entender naquele momento o que estava acontecendo comigo. Fui tomar uma água, depois um café e olhando mais uma vez para o quintal, era sempre a mesma sensação, agora acompanhada de um pensamento que me provocava a entender que aquela maneira de estar no mundo tinha chegado ao fim, que era hora de tomar outro rumo, isso me causou muito mal e medo, não compreendia o porquê daqueles sentimentos, e  na tentativa de encontrar motivos que justificassem aquilo, analisei todos os aspectos de minha vida e aparentemente estava tudo muito bem (trabalho, família, finanças e reconhecimento social), porém essa era apenas uma referência do meu mundo material, pois naquele afã das emoções era impossível ver que meu mundo espiritual que se manifestava, me convidando para iniciar a minha mais linda e verdadeira experiência nesta manifestação.

Já havia passado por várias religiões e em todas elas eram apenas uma relação superficial, nada até então tinha se manifestado tão forte dentro de mim, hoje com aproximadamente dois anos praticando o Budismo, compreendi que “o barco tinha chegado e que só precisava eu embarcar”, mas não tinha essa clareza de que aquelas provocações, questionamentos e angústias encontrariam respostas tão significativas para que eu desse a virada de chave na minha nova vida. Ele não chegou de maneira sutil e nem muito romântica como gostaria de relatar, ao mesmo tempo em que respondia meus questionamentos e me trazia um contentamento tão verdadeiro, ele me retirava as crenças e ilusões que tinha como certezas, trazendo sempre à tona o medo e a ansiedade. Até aqui não sabia o que era o Budismo, não tinha a mínima noção, então quando me refiro a ele nas linhas anteriores é porque hoje compreendo que tudo se encaixava na nobreza dos ensinamentos de Buddha.

Na incessante procura por explicações, cheguei a buscar ajuda profissional, que dentro de suas habilidades me indicavam possíveis respostas, só que dentro de mim algo me impulsionava a ir além, a não ficar naquela superfície apenas, a procurar por profundidade. Fiz uma revisão por caminhos religiosos dantes percorridos e percebi que “não cabia mais naquelas roupas”, estava tudo já passado a limpo para mim. Lembro-me com carinho que numa destas tentativas de regresso, no centro espírita que ajudei a fundar em minha cidade, deixei a função de palestrante e fui me dedicar a construção de um lindo jardim de flores na entrada, onde cuidei por um tempo na espera de amadurecer a ideia de concluir por ali a minha participação. Como a angústia só aumentava, sai assim que chegaram as tão esperadas chuvas nordestinas que deram continuidade e tornaram o jardim um dos cantos mais acolhedor daquele centro. Me despedi de todos e fui caminhar “sozinho”, fui procurar o caminho sem saber por onde começar, e, no entanto, já estava nele.

Ainda sem enxergar com clareza para onde todas aquelas inquietações estavam me levando, lembro certa vez, ao sair do banho, que fica no quintal de minha casa, olhando para umas bananeiras e com a mente muito agitada, lembrei de fazer uma dessas orações que aprendemos desde criança e pedir ajuda a Deus, mas não consegui fazer por perceber que parecia um pedido muito mais em vão: “Por que preciso dizer o que preciso? ”. “ Sendo tão Perfeito poderia muito bem se manifestar e saber de tudo que está se passando comigo e por consequência me ajudar! ”. “Ele não é como me disseram desde tenra infância ou talvez nem exista! ”. Estes eram os pensamentos que me chegavam e me deixavam sem chão, veio uma mistura de desamparo, medo e depois culpa, culpa por parecer estar na contramão daquilo que me era tão cômodo e prático. Fiquei interiormente fragilizado!

Passaram-se os dias, mas as insistentes análises continuaram, elas minavam na minha mente de maneira tão provocadoras, contudo, tão coerentes que me arrastavam como correntezas. Fui então me tornando um pouco mais receptivo a tudo isso, procurando ficar mais calmo até que um certo dia, daqueles de ócio, em que ficamos arrastando os dedos sobre o celular sem objetivo nenhum, me deparo no Youtube com um vídeo intitulado: “É possível ser budista e continuar acreditando em Deus? ” Sem titubear fui logo assistindo e me deparando com um grande diagnóstico do “meu problema”: o apego as crenças antigas e o medo do desconhecido, agora sabia, naquele momento contemplei uma paz que parecia se materializar em cada átomo do meu corpo, me senti de novo acolhido e relocado na vida, agora tinha um novo caminho a ser trilhado. Passei a ver, a partir de então, mais e mais vídeos da Monja Coen e cada vez mais se evidenciava que era aquilo mesmo que se tornaria a minha vida. À noite, quando deitei para dormir, voltei mais um pouquinho para o Youtube e de imediato me deparei com um texto narrado pelo radialista Flávio Siqueira, da Rádio Inverso FM, que eu nunca ouvira sequer falar, o texto se chamava “Deus de Spinoza” e nele continha uma leveza, uma certa despretensão que me custou uma noite de insônia por conta de tanta alegria que me causou. O dia amanheceu, peguei minha bicicleta e fui pedalar por entre os caminhos de terra molhada (pois era período chuvoso) e me deslumbrei com tanta presença toda beleza da paisagem, plantas verdejantes pelo caminho, pássaro das campinas cantando nas cercas e de repente um convite feito por um lavrador para tomar um café em sua casa, que ficava em cima de um alto, de onde se podia contemplar uma vista maravilhosa de todo aquele cenário rural e lançar um olhar sobre uma vida simples e com contentamento, que era a daquele senhor. Foi um dos momentos mais lindos que já vivi!

Voltando para casa, e depois das atividades rotineiras, lá estava eu a procura de mais e mais assuntos sobre o Budismo pelas plataformas da internet, encontro os ensinamentos do lama Michel Rinpoche, do budismo tibetano, que muito me tocaram. Em seguida, a plataforma ia me sugerindo mais e mais vídeos sobre o Budismo e de repente me vi mais uma vez perdido, pois algumas coisas se divergiam na ignorância do meu entendimento, por não saber que o Budismo estava dividido em escolas (risos), mas ainda permanecia confiante de que era ali, no Budismo, que estaria o que eu procurava.

Chega então o momento em que todo o mundo é obrigado a se isolar por conta da pandemia provocada pelo coronavírus. Em casa,  eu passava meu tempo estudando o Budismo pela internet e livros adquiridos nas livrarias digitais, mas como estudava sozinho, muitas dúvidas e desentendimentos surgiam com facilidade e para reforçar os assuntos estudados, eu começava a fazer objetos de decoração para minha casa com temas budistas (quadros, estátuas e adereços para o altar), um dos detalhes que acho bonito relatar daquele período, é lembrar de minha mãe, uma senhora com 82 anos de idade, muito católica, assistir todas as palestras comigo e achar bonitas e também me ajudar a confeccionar o meu zafu, zabuton e juzu, para minhas tímidas práticas. Mas uma coisa ainda me desconfortava, era aquela variedade de escolas budistas, eu tinha uma forte tendência para uma, pois notava que ela conversava com minhas ideias, pensamentos e era coerente com aquilo que eu queria ser. Foi então que por meio do Instagram, vi um anúncio de uma tutoria propondo estudar as escolas budistas e com isso facilitar, com mais critérios, a minha escolha por uma. Sem pensar duas vezes, assisti a live da referida página, a Sobre Budismo, e me interessei muito, na sequência comprei as aulas. Depois de assistir as lindas aulas com os monges do projeto, cada vez mais via no Zen Budismo pontos que explicavam com muita profundidade a maioria das minhas interrogações. Genshô Sensei, com sua disciplina e suas respostas óbvias me inspirava um cuidado paterno para com a comunidade, seus ensinamentos e suas experiências de vida me motivavam cada vez mais e me davam forças para continuar a praticar com gosto. Hoje faço parte da sangha do Daissen Virtual. Meu coração é repleto de gratidão a todos os meios hábeis que me trouxeram até aqui para trilhar um caminho possível e viver um “Budismo hoje”. Desde o leite materno ao suor dos esforços de toda a nossa ancestralidade, eu honro com a insistência de uma boa prática do Dharma, e tenho o Zen Budismo como um barco que me conduz por um percurso muito longo, contínuo e perene, como na canção A Partida e o Norte, de Estêvão Queiroga:

O caminho muda, e muda o caminhante

É um caminho incerto, não o caminho errado.

Eu, caminhante, quero o trajeto terminado

Mas no caminho, mais importa o durante.

Deixei pegadas lá no vale da morte

Um solo infértil aos meus muitos defeitos

Minha vida alargou-se em caminhos estreitos

E eu vi você

A partida

E o Norte”.

 

Fábio Chaves Brito. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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