Desacelerar e Enfim Enxergar

 

Acordar, tomar o café da manhã (já pensando em todas as tarefas do dia), arrumar-me e ir para o trabalho. Percebo no meio do caminho que nem reparei direito no que comi. Tomo umas 3 xícaras de café, pois acordei cansada devido à insônia que tive por ficar pensando no trabalho antes de dormir. Arrumo-me para ir, pego minhas coisas e já desço com o lixo. De relance vejo que joguei algumas embalagens de isopor no lixo orgânico, nem prestei atenção quando fiz isso.

Desapontada comigo mesma e com minha falta de consciência quando fiz aquilo, sigo para o trabalho onde encontro mais demandas, mais cobranças, mais problemas, deixando a mente um caos. No almoço, alimento-me pensando no amanhã: “Como vou resolver aquele problema?”. “Quando vou ter tempo de finalizar aquele projeto?”. Mais uma vez foi-se uma alimentação sem se estar presente no momento. Voltando ao trabalho, sem a clareza e objetividade do que fazer primeiro, o dia passa totalmente improdutivo.

Na volta para casa, já penso nas tarefas que me aguardam por lá e o resultado de tudo isso é corpo e mente exaustos. Ao chegar e repassar o dia em minha mente, percebo quantas coisas eu deixei passar naquele dia: não vi a coruja do local em que trabalho que sempre vejo quando realmente estou presente ali. Não reparei também nos gatos de lá, que sempre paro e faço um carinho, mas que naquele dia eu nem percebi se estavam lá. Não reparei também na beleza das árvores e aves ao redor. Naquele dia também acabei indo de carro ao trabalho por estar cansada, por estar com pressa e, o mais importante, convenci-me que assim seria melhor para mim. Dentro de minha mente conturbada, nem pensei em todos os benefícios de ir de bicicleta.

Durante meu banho, pensei tanto que não percebi quantos minutos fiquei ali gastando água, nem quantas vezes já me ensaboei e enxaguei. Refletindo ainda mais, lembrei que no início do dia não fiz o principal, não meditei. Não meditei, pois, nesse padrão de pensamento onde tenho que fazer tudo rápido, para ontem, eu não posso sentar e simplesmente sentar como fazemos no zazen, eu só posso ser produtiva e trabalhar.

Vi-me assim numa grande contradição: por não ter tempo, não meditei, e assim não tive espaço algum na minha mente para pensar em qualquer outra coisa que não fosse meus problemas e preocupada em não ter tempo, não tive espaço para soluções. Esse dia que relatei foi um de muitos, e pode voltar a acontecer caso distraia-me e não me discipline para meditar todos os dias.

Seja lá qual for o trabalho, muitas vezes a cobrança é demasiada e desperta inúmeros pensamentos, ilusões e ansiedades que podem acabar nos afastando do zazen. Sinto também que a lógica da mente acelerada não vê sentido em sentar e simplesmente sentar. O curioso é o fato de que depois de sentar e fazer zazen esta mesma mente entende como é necessário desacelerar e desfocar tanto de si mesmo.

Nesse sentido, é muito fácil falhar em relação às nossas atitudes responsáveis durante o dia, seja no trânsito, no trabalho, ou na nossa relação com o meio. O meio que nos cerca traz a possibilidade de mudar o olhar, que só é possível graças à contemplação e da presença no momento. Às vezes é difícil, mas, é preciso desacelerar, observar e se reconectar a fim de abrir espaço no meio do fluxo de pensamentos.

Percebi também que nem tudo é sobre o tempo em si, mas o que posso fazer com ele, pois, eu posso ir de carro trabalhar, mas eu posso ir de bicicleta, demorar um pouco mais, mas, farei um bom exercício, darei ao meu corpo endorfinas e evito de poluir por um dia. Eu posso escolher alimentos prontos, cheios de embalagens que não posso reciclar ou posso dedicar meu tempo a escolher melhores opções para minha saúde e para o meio ambiente. Percebi também que é uma escolha pensar sem cessar, gastando todas as energias nas voltas e voltas de pensamentos sem fim que ocorrem quando não desaceleramos, mas, é uma escolha também parar e estar presente e reconhecer que não estou desconectada de tudo.

Nessa pausa do zazen eu não estou perdendo meu tempo, na realidade ganho tempo, perspectivas, vontade e visão ampla. Ganho ideias novas para meu trabalho, vida pessoal, e faço melhores escolhas em relação ao meio que vivo. Por meio da prática, entendo que faço parte desse meio e consciente disso tento ao máximo causar o menor impacto negativo possível.

Texto de Mariana Belchor. Doutora em Biologia e Professora de Fisiologia. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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