Nem sempre temos a chance de processar as notícias da atualidade e fazer todas as conexões relevantes entre as informações que obtemos. Um conflito como o que ocorre entre Rússia e Ucrânia, por exemplo, que toma amplo espaço nos noticiários, tem importantes implicações em questões ambientais para o mundo, mas alguns detalhes podem passar despercebidos.
O abalo nas relações comerciais internacionais devido aos prejuízos causados pela guerra na Ucrânia e às sanções econômicas impostas à Rússia pelos países do ocidente, afetam preços de produtos alimentícios básicos em um país como o Brasil e geram mudanças, corretas ou não, em políticas ambientais importantes.
Dada a dependência que temos com relação aos fertilizantes agrícolas da Rússia, o governo do brasileiro e aliados no poder legislativo buscam urgentemente a aprovação de um projeto de lei (PL 191/2020) que prevê a abertura de terras indígenas para atividades de mineração, hidrelétricas e do agronegócio.
Segundo especialistas, já que os fertilizantes podem ser obtidos em abundância fora das terras indígenas, a justificativa para o pedido de urgência na aprovação do PL 191/2020 é apenas um pretexto para o governo colocar em vigor uma lei que favorece sua agenda (anti) ambiental, facilitando o garimpo e desmatamento na Amazônia.
É importante salientar que as terras indígenas são demarcações que protegem, por lei, diversas áreas florestais de interesse ambiental para o mundo. A redução destas áreas é apenas um dos vários retrocessos nas políticas ambientais em curso na atualidade, pois existem também ações em prol de leis que facilitarão atividades de grilagem (ocupação de terra públicas) e afrouxamento das regras para licenciamento ambiental.
A agenda ambiental praticada no Brasil vai claramente na contramão das demandas ambientais de hoje. De acordo com instituto Imazon o ano de 2021 foi o maior nos últimos 10 anos em desmatamento na Amazônia, no qual ocorreu a destruição de florestas de uma área que, em seu total, equivale a metade do estado de Sergipe (10.362 km2). Nesta questão, segundo o INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais), já em 2022 os meses de janeiro e fevereiro estão entre os piores em desmatamento desde 2016.
Tratando-se da maior floresta tropical do mundo, o desmatamento na Amazônia é uma grande preocupação global. Desmatamentos florestais estão entre os principais vilões para o aquecimento global e mudanças climáticas (ver texto “A Impermanência e o Carbono”). Atualmente já convivemos com fenômenos ambientais atípicos em suas intensidades e locais de ocorrência.
Além das recentes catástrofes em decorrências das enchentes nos estados de Minas Gerais e Bahia, há menos de um ano foram noticiados fenômenos ambientais estranhos pelo mundo. Em 2021, por exemplo, registraram-se temperaturas mais altas do que o comum no Canadá; na China e Alemanha também ocorreram eventos de enchentes; e países do Mediterrâneo precisaram lidar com incêndios florestais.
Sendo o mundo em que vivemos extremamente desigual social e geograficamente, existem populações humanas mais vulneráveis e para as quais o sofrimento chega primeiro. Chamado de “Atlas do sofrimento humano” pelo secretário geral das Nações Unidas (ONU), o segundo relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), publicado no dia 28 de fevereiro, mostra como a mudanças climáticas afetam profundamente pessoas mais pobres, sendo que entre 3,3 e 3,6 bilhões de seres humanos já são vulneráveis às mudanças climáticas, sujeitas a enfrentar problemas como calor extremo, escassez de água e fome oriundas de problemas na agricultura e pesca.
Não é novidade que o problema relacionado as mudanças climáticas afetam diversas formas de vidas. O relatório do IPCC estima também que com um aumento de 1,5º na média de temperatura do planeta (que já aqueceu 1,1º) poderia levar a extinção de até 14% das espécies do mundo. E, claro, isso também é um fator que afeta a população humana, já que todo o planeta é interdependente em seus fatores naturais.
E o que fazer diante de tão sérios problemas ambientais globais? É claro que as decisões que podem levar às mudanças necessárias para se evitar uma catástrofe climática no planeta estão nas mãos das lideranças mundiais. Porém, aqui é importante lembrar do fato de que decisões de nossas lideranças devem representar o interesse coletivo, seja isso, como possível, em maior ou menor grau.
Precisamos, todos, nos conscientizar das questões ambientais como um “problema de casa”. Existe sempre algum espaço para participarmos de decisões políticas. No Brasil, por exemplo, em 2022 haverão eleições e isso é uma grande oportunidade de escolhermos representantes comprometidos com a causa ambiental.
Neste ano ainda haverão eventos importantes onde se discutem planos para tentar conter o aquecimento global, suas consequências e assuntos afins. Três eventos merecem atenção dado o seu caráter simbólico e a participação das lideranças mundiais: a Rio + 30 Cidades, que possivelmente ocorrerá em junho; a COP27, que será realizada no Egito em novembro; e a COP 15 da biodiversidade, que ocorrerá em abril na China.
Ainda há esperança para contermos os problemas das mudanças climáticas globais. Precisamos ficar atentos às tentativas de retrocesso ambiental comuns por parte daqueles cujo o interesse sobre tudo se pauta em valores econômicos e participarmos ativamente do debate político de modo geral.
Ter o devido cuidado com questões ambientais e auxiliar nas decisões coletivas é um também modo de expressar compaixão com a humildade e outras formas de vida. Nós fazemos parte do meio em que vivemos agora e sempre, seja lá em qual forma estivermos.
Texto de Diego Dias da Silva. Biólogo, desenhista e praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.
Fontes:
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/03/guerra-faz-economistas-elevarem-projecao-de-inflacao-no-brasil.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/03/camara-aprova-urgencia-para-projeto-de-mineracao-em-terra-indigena-mas-votacao-fica-para-abril.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/03/bolsonaro-usa-possivel-falta-de-fertilizantes-para-defender-mineracao-em-terras-indigenas.shtml
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/marcia-castro/2022/03/o-atlas-do-sofrimento-humano.shtml
https://g1.globo.com/meio-ambiente/noticia/2022/02/28/novo-relatorio-do-ipcc-chefe-da-onu.ghtml
PL 191/2020: indígenas e parlamentares tentam barrar projeto que libera mineração em terra indígena
https://www.ecodebate.com.br/2021/12/28/eventos-mais-marcantes-da-area-ambiental-em-2021-e-perspectivas-para-2022/
https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/solucao-para-fertilizante-sustentavel-reduz-dependencia-do-agronegocio/#page9
https://www1.folha.uol.com.br/opiniao/2022/03/mentira-plantada.shtml
Alertas de desmatamento na Amazônia seguem em alta em fevereiro
https://imazon.org.br/imprensa/desmatamento-na-amazonia-cresce-29-em-2021-e-e-o-maior-dos-ultimos-10-anos/