“O que importa não é aprender o Budismo com profundidade, o importante é viver com o Budismo. Viver com ele, comer com ele, trabalhar com ele, cortar lenha com ele, todas essas coisas viram um estudo. Talvez isso seja o Budismo em si. ”
Jeong Kwan, freira budista Seon e chef de cozinha coreana
A temporalidade está presente em todos os aspectos da vida, às vezes não a percebemos, devido a rotina corrida do trabalho, dos afazeres familiares e sociais, e muitas vezes por estarmos imersos em nossas delusões. O relógio cisma em querer ditar o tempo da vida. O tic tac incessante, invenção variante em tentativas vãs de manter o que não é mais e prever aquilo que ainda não existe. Tempo delirante. Paremos de contar as horas por um instante, para viver o momento presente e observar as nuances da vida até mesmo em pequenas ações.
Temos a escolha de modificarmos nosso olhar, nossas mentes, para vermos a vida como ela é, repleta de mudanças, e assim aceitarmos pacificamente o fluxo da vida ou podemos continuar sendo sugados pelo tempo sem nenhuma atenção aos momentos que vivemos.
Para cultura ocidental talvez seja algo novo refletir conscientemente sobre a efemeridade da vida, sobre a marca do tempo, para muitos é até motivo de aversão, porém na cultura oriental isso é algo acentuado. Para os japoneses a fugacidade é representada pela cerejeira, que após seu belo florescimento perdura apenas algumas semanas, cujas flores podem, em sua delicadeza, ser levadas pelos ventos.
Assim também acontece na culinária. No Japão a temporalidade na cozinha é expressada pelas estações do ano como no Omakase, um jantar japonês no qual os convidados degustam receitas sazonais e artísticas, preparadas com os ingredientes mais frescos disponíveis. O Omakase é, por princípio, um jantar sem menu, sendo somente do chef a escolha. O significado do Omakase está na própria palavra, cuja livre tradução é “eu confio em você”.
Alguns tipos de doces são produzidos somente na primavera, época em que os ingredientes estão disponíveis, e representados pela cor ou pelo formato da flor de cerejeira, mesmo acontece com as demais estações. Outra comida japonesa que marca a efemeridade é o sobá, um tipo de macarrão de trigo sarraceno, muito saudável, que tem uma versão fria e outra versão quente servida apenas no inverno. Todas as estações do ano, a temporalidade, são muito bem caracterizadas, seguem um fluxo, o que influencia muito no modo se ser.
A chef Alice Yamanishi, do restaurante Yuzu-na, relaciona, poeticamente, o ser humano a três elementos representativos da natureza japonesa: “O pinheiro, que mesmo no inverno se mantém firme e forte; o bambu, porque é flexível e o ser humano tem que ser flexível, e a flor de ameixeira, remetendo ao lado poético e à sensibilidade, aproveitando que em março começa a florada”. Guiada pelos elementos da natureza, a gastronomia japonesa valoriza a sazonalidade dos alimentos e leva aos pratos o frescor de cada estação do ano.
Quando nos alimentamos estamos muitas vezes acostumados a abrir embalagens disponíveis durante todo o ano. Ingerimos ingredientes de forma automática, sem pensarmos no que está por trás de cada alimento, estamos desconectados com os ciclos do agora; não consideramos o trabalho exercido por muitos para aquela refeição chegasse até nós, no entanto, ao trazermos o Dharma às nossas ações diárias nada é feito de modo inconsciente, podemos refletir sobre cada ação que tornou possível o alimento em nossas mesas, tornarmos agradecidos e conscientes; podemos também avaliar se nossas ações são meritórias de todo esforço. O modo que preparamos nossas refeições pode ser um exercício de atenção plena, de viver o momento presente; o que comemos, o que servimos, é muito além do que vemos, não é só comida, é exercer a generosidade ao compartilhamos, é a reflexão sobre o outro além de nós mesmos e também sobre a impermanência e interdependência de todas as coisas.
Para Jeong Kwan, freira budista Seon, “é a mentalidade do compartilhar que representa o que se come”, pois “não existe diferença entre cozinhar e seguir o caminho de Buda”.
Texto elaborado pela equipe da coluna Alimentação.
Fontes:
https://guide.michelin.com/br/pt_BR/article/features/voce-sabe-o-que-e-omakase
https://yuzuan.com.br/news/wagashi-o-sabor-das-estacoes-do-ano/
http://turismodeexperiencia.com.br/a-arte-da-tradicional-culinaria-japonesa
Documentário Chef’s Table. Episódio Jeong Kwan. Disponível na Netflix.