“Se você puder, faça um lugarzinho para que outras pessoas possam praticar zazen, isso vai lhe ajudar muito na sua prática, como foi comigo”. (Genshō Roshi).
Foram estas palavras que me foram ditas durante um dokusan no Sesshin Regional de João Pessoa – PB. Monge Genshō foi tão enfático em seu conselho que apesar de lhe ter argumentado sobre o fato de minha cidade ser pequena e com forte identidade cristã, eu sentia em suas palavras um grande reconhecimento por ter feito isso em sua vida que não hesitei, sequer por um instante, em fazer o mesmo. O objetivo pelo qual fui falar com Genshō Sensei era apenas para pedir-lhe que me aceitasse como seu aluno e que me permitisse costurar o meu Rakusu, mas a conversa tomou uma dimensão de possibilidades e oportunidades que o objetivo tornou-se bem mais amplo. Saí do dokusan aceito como seu aluno, fui encaminhado ao Monge Jitsugen para que me orientasse na costura do Rakusu, mas levei dali outra “costura” para fazer: preparar um espaço que desse oportunidade de prática para todos, se fosse possível, é claro, enfatizou Monge Genshō.
Voltei do Sesshin e ao passo que ia costurando os pedaços de tecido do Rakusu, ia também “catando retalhos” de materiais que pudessem ser aproveitados para “costurar” o Zendō. Ganhei colchões que iam para o lixo e fiz os zabutons, achei madeiras no galinheiro e confeccionei detalhes para o altar que já estava montado com duas mesinhas: uma que meu pai fez para ouvir rádio na sua juventude e outra menor onde eram guardadas as minhas roupinhas quando nasci, vasilhas de cozinha para fazer jarros de flores e incensários, sem nunca ter feito nenhuma escultura, arrisquei fazer umas estátuas de Buddha para embelezar o ambiente, o que me surpreendeu grandemente, e aquilo que eu não tinha como improvisar, com umas economias que eu tinha, fui comprando na lojinha da Daissen: zafus, incensos, samuê, livros etc. e assim cada coisa foi se encaixando da melhor maneira possível e foi tomando forma, e com o tempo foi se tornando o que podemos ver hoje.
Zendō preparado, instalado no alpendre de casa, orientações repassadas com muito zelo para mim por Monge Andō, data marcada e divulgada nas redes sociais para a estreia. Tudo preparado para o primeiro dia de prática aberto ao público.
Chegou o dia, vagas esgotadas (sete vagas, pois o local é pequeno), chegaram mais pessoas do que as vagas ofertadas, convidadas por quem estava vindo pela primeira vez também. Notei um “frisson” entre muitos, algo parecido com expectativas sobre o evento. Improvisei mais lugares, cedi até o meu zafu e calça (este veio com bermuda) para que todos se sentissem acolhidos. Deu tudo certo! Ao final, após a leitura de um trecho do livro do Monge Genshō “O pico da montanha é onde estão os meus pés”, servi chá e biscoitos. Dentro de mim uma alegria que contagiava e a “certeza” de que ia ser um “sucesso” na minha cidade. Foi?
Na outra semana (5ª feira e sábado eram os dias de prática), ninguém veio mais, e desde então a prática se deu de forma solitária, com raríssimas exceções de alguns que se aventuravam de suas casas ou até de outras cidades para participar, alguns ficavam hospedados na minha casa pois o que era possível eu fazia para que eu não praticasse sozinho.
O pensamento sobre o que tinha dado errado era constante, troquei dias e horários das práticas, caprichei mais no espaço com adornos de todo jeito para ver se atraía mais pessoas, mas parecia que a medida era sempre aquela: multidão de uma ou duas pessoas. Foi muito difícil ter que encarar mais uma frustração, eu havia criado muita expectativa sobre algo que só quem poderia reconhecer o valor era quem também fora retirado de suas casas em chamas e com os cabelos pegando fogo, como eu fui.
Porque o Dharma de Buddha salvou a minha vida, chegou como uma chuva sobre uma floresta em chamas, e, assim é que pude entender que embora Ele esteja presente, seja o presente imediato, é preciso vivenciá-lo e não somente ter ouvido falar e daí visitá-lo.
Por esse motivo é que desejo aos praticantes que podem se reunir em Sangha, que sejam muito gratos por tanta fortuna de o fazê-lo assim, pois é muito difícil praticar sozinho. Se não tivermos a convicção e a constante lembrança da experiência, gratidão e respeito àqueles que sustentaram o budismo por milênios até aqui, nos deixaremos cair mais uma vez nos velhos hábitos de descartar coisas preciosas só porque o resultado não é imediato.
Quando o Fábio Brito “morreu”, e renasceu como “Koshin” (Generoso Coração), quando fomos reconhecidos pelo Templo Daissenji como comunidade integrante do mesmo, achava que iria mudar no tocante à chegada de pessoas para montar uma Sangha, que teria mais credibilidade entre as pessoas por agora ter-me tornado Zen budista oficialmente. Que nada! A impressão é que me tornei invisível aqui na cidade. Fiz uma tentativa de usar o perfil @daissencarnaubal para seguir nas redes sociais mais pessoas aqui da cidade e arredores, porém não nos seguiram de volta.
Certa vez, quando eu estava bastante desmotivado por causa de praticar sozinho, minha mãe falou: – Mas você fez isso primeiramente porque era você que estava precisando, você fez primeiro para você, quando você começou aqui, começou sozinho no quintal embaixo das árvores. Pois para mim não importa, (continuou ela dizendo), eu acho lindo e tenho muito gosto em mostrar o que você fez para todos que vem me visitar”.
Certo dia, me chegou um pensamento muito bonito quando eu estava refletindo seriamente sobre continuar a minha prática sozinho, fechar para o público, pois estava na dúvida se valeria a pena continuar fazendo samu sozinho, preparando leitura, chá etc. para no fim ninguém aproveitar, além de mim. O pensamento veio como um amigo que me dava clareza naquele momento, dizia mais ou menos assim: “ Nenhuma Sangha é fundada e nem aberta às práticas por um coordenador. Cada Sangha é criação única de Shakiamuni Buddha há milênios ininterruptos, portanto, para o desânimo de praticar sozinho por anos, só tenho a dizer para ele que se atenha com Buddha, porque a mim cabe apenas a humilde tarefa de ‘Porteiro de Zendô’, que zela para que a cada semana os ventos da ignorância não fechem as suas portas”.
Aos poucos, fui percebendo que parece que para cada frustração que tinha por não ter tido “sucesso”, eu realizava uma melhoria seja no aspecto físico do ambiente ou na prática. Isso contraria o que costumamos fazer quando algo não sai do jeito que a gente quer. Se é verdadeiro ou é mais uma armadilha do ego, só o tempo irá dizer, ou não.
Gostaria que este texto não tivesse foco na minha pessoa e sim, trazer aos leitores a consciência do quanto praticar em grupo é uma felicidade. Sinto essa alegria quando participo de um sesshin ou pelo menos quando uma pessoa vem praticar aqui comigo, é como se fosse uma gota de orvalho que sozinha tem forma limitada e frágil, mas que quando encontra o oceano e cai sobre ele, torna-se gigante porque se dissolve e sua forma individual se esvai.
Hoje tem zazen! Não veio ninguém. Amanhã tem mais zazen e ainda vamos fazer a cerimônia de Upposatha, continua sem ninguém. Então, invento o Amanhecer Zen, quem vem? Além de mim, e com muita raridade outro amigo. Eis que vem minha mãe às 6h da manhã, vestida de preto para participar. Ela é o nosso tenzo, prepara os alimentos com muito carinho e participa com o seu oryoki. É lindo de ver!
Minha mãe é católica praticante, tem suas práticas aqui em casa, trocamos velas e flores entre os nossos altares e compartilhamos nossas práticas de forma complementar. Ela acha muito lindo o budismo e chama todos os praticantes de Buddha. Me apoia como pode, recebe todos da melhor forma possível. Uma vez ela me viu dando uma lembrancinha para os praticantes da Sangha de Fortaleza durante um pequeno retiro que fizemos aqui, e prontamente correu para pegar os seus bordados para presentear também a cada um. Veste camisa florida para banhar o Menino Buddha no Hanamatsuri e por aí caminhamos…
Nossa casa tem se transformado em um templo, não só por abrigar o Daissen Carnaubal, mas pelo que praticamos dentro dela. Como nos orienta Monge Genshō: Manter sempre a harmonia!
Que possamos não esperar por multidões, tendências ou seja lá o que for para praticarmos. Devemos transformarmo-nos nós mesmos em Altares, Zendōs e Sanghas de Buddha, afinal, como esclarecem os nossos mestres: a oportunidade é rara e o tempo se esvai, não o desperdicemos.
Texto de Fábio Koshin. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.