Sentamo-nos em zazen para nada!
A prática da meditação pelo método “Shikantaza” ensinado pelo Mestre Dōgen quer dizer literalmente “nada além de se sentar”.
Shikantaza!
Parece até uma provocação.
Meus neurônios se inquietam automaticamente e encontro como resposta um dilema, uma contradição, o que me intriga e penso:
Como assim fazer zazen para nada?
Os homens precisam de um motivo para fazer qualquer ação, das mais ousadas como construir cidades e monumentos até as mais banais como escovar os dentes de manhã.
Ninguém faz ou deixa de fazer nada sem motivo algum.
Isso é o que diferencia os seres humanos dos demais animais raciocinamos, damos lógica às coisas e ao mundo ao nosso redor.
Acredito que o Mestre Dōgen quis dizer que qualquer motivação lógica que o homem dê não é o sentido real para se fazer zazen. O zazen derruba o mundo ilusório construído pelo praticante e transcende a existência finita e limitada de um ego.
Busco como referência o Sutra do Coração e da Sabedoria Perfeita em que é dito “forma é vazio e vazio é forma”.
Cada vez que tentamos explicar o Dharma, acabamos por limita-lo.
Cada praticante tem uma experiência de vida diferente dos demais. Todas as coisas do universo são únicas e impermanentes. Tudo o que tentamos definir já se transformou.
A bagagem de se possuir uma história é muito pesada e ao longo do caminho da prática é necessário abandonar o que trouxemos conosco durante a jornada, até mesmo o motivo inicial de estarmos nesta trilha de autoconhecimento.
No início, interessei-me por seguir o Dharma de Buddha, pois queria parar de sofrer com minha depressão e ansiedade.
Hoje, um pouco mais esclarecida, entendo que o caminho do Tathāgata não é algo que se define apenas ao que eu sinto, às minhas dores e ao meu passado, presente e futuro. É muito mais do que eu. Tem a ver com tudo, com todos.
Hoje, nem tão esclarecida para conseguir me sentar em zazen para nada, busco a meditação como um refúgio confiando a direção nos mais experientes e nos professores.
Eu sinto que existe algo, mas que sou imatura ainda para compreender.
Volto ao Sutra do Coração, incluo seu verso final:
“gyatei gyatei haragyatei harasoogyatei boji sohaka”
“Indo além, mais além, do mais além.
Ele foi além, mais além do mais além,
Completamente exposto.
Despojado.
Despertado.
Livre.”
Não tem fim.
Sentamo-nos em zazen para nada!
Texto de Akemi Ishibashi. Praticante na Daissenji. Escola SotoZen.