Os três tesouros – Buddha, Dharma e Sangha – fundamentam o que é ser um voluntário dentro da prática budista. Para que o Dharma seja compreendido, espalhado e praticado é necessário que haja uma Sangha e que essa esteja comprometida e orientada sob a prática de Buddha.
Dana faz parte dos seis paramitas ou grandes realizações. Os paramitas são virtudes que precisam ser praticadas e ao serem praticadas, elas dão valor à nossa experiência, não só contemplativa e espiritual, mas a nossa experiência de vida (Monge Komyo, 2024) 1 .
Poderíamos dizer que o trabalho voluntário pode ser enxergado a partir de duas perspectivas aparentemente opostas: o lado de quem fornece o trabalho e o lado de quem o recebe. No entanto, não é bem assim que nos ensina Monge Kōmyō. O autor nos diz que dana faz parte do entendimento da compaixão e da compreensão dos esforços feitos das pessoas, para que os ensinamentos possam chegar até nós, misturando-se receptor e doador. Para que os monges possam ensinar, eles precisam ter um ambiente estruturado, precisam atender suas necessidades básicas, como
qualquer ser humano. Ao mesmo tempo, a prática de ensinar se torna dana para aquele que ensina e é uma das formas que o monge atua para que ele mesmo possa ser fonte de dana.
Em qualquer estrutura formada no nosso planeta, há trabalho voluntário. Há trabalhos voluntários que são regiamente pagos financeiramente. Mas há muito mais trabalho voluntário que não é remunerado ou é, por vezes, parcamente retribuído por meio financeiro. É em nome de alguma causa, alguma ideia, alguma fonte de amor (ou de ódio), que se justifica que pessoas de todos os matizes se unam e ergam instituições, construções, filosofias…
Como você já deve ter percebido, uma boa parcela das pessoas que trabalham já o fazem voluntariamente. Instituições religiosas ou organizações civis, que não possuem objetivo de captação de lucro e acumulação de capital, invariavelmente, possuem mais trabalhadores voluntários sem remuneração do que com remuneração.
Este é um ponto sensível no trabalho voluntário, notadamente no que se refere à nossa cultura. Muitas vezes a desconfiança da aplicação do dinheiro “dado” é um dos motivos da não doação. Ao mesmo tempo, doar tempo de trabalho, sendo que não há qualquer gratificação, pode impulsionar o indivíduo a reservar um espaço, (e às vezes um esforço), muito pequeno dentro de uma semana de trabalho voluntário pago. Esse é um dos grandes empecilhos para que o trabalho voluntário seja tão mal compreendido e não praticado.
Mas se olharmos sob a ótica budista como um dana, entenderemos que somente a compreensão profunda e a compaixão pelo sofrimento alheio nos impulsionarão a doar um trabalho como dana. Alguém deve estar pensando: será preciso estender minhas horas de trabalho voluntário para a Sangha? Sim e não! Como diz o próprio adjetivo, é voluntário. Mas você deve se perguntar quais são as causas
1 Podcast “Gotas do Dharma”, Daissenji, episódio #361.
que te fazem voluntariar num determinado serviço. Se não irá receber benefício material algum, nem mesmo um reconhecimento ou um “tapinha nas costas”, seria possível uma dedicação com coração puro, sem pedir nada em troca e ainda trabalhar esforçadamente por anos a fio? Então, você já deve ter vislumbrado a roda, ou o ciclo do trabalho voluntário: você doa para alguém receber e esse alguém doa para que você receba. A comunidade se ergue. Logo, todos estão dentro de um mesmo universo de dana.
“Agir de maneira generosa, é uma prática de humildade, é uma prática de consciência” (Monge Genshô, 2018) 2 .
Neste sentido, a prática do dana, tanto para quem recebe, quanto para quem doa é uma prática individual. Ela afeta a comunidade na medida em que o trabalho seja enraizado nos sentimentos de compaixão, compreensão e amor. Sem isso, dificilmente o trabalho será bem-feito e em tempo hábil.
Monge Genshō nos conta que Dōgen Zenji diz que mesmo quando doamos uma semente de grama, isso já é um grande mérito. Toda a estrutura consolidada que hoje a Daissen possui, gerencia e organiza, começou com uma
pequena célula de voluntários há mais de 20 anos. Sem esses esforços, jamais teríamos a chance de ter tanto ensinamento do Dharma disponível, locais de prática, monges para orientar, companheiros com quem contar.
“A alegria é a própria recompensa!” O trabalho voluntário para a Sangha deve lhe proporcionar bem-estar para ser a comunidade e de se transformar por causa do trabalho.
Texto de Ligia Inhan. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.