O Budismo nas Revistas em Quadrinhos

 

Há 49 anos, em 1972, Osamu Tezuka (1928-1989), o famoso mangaká (artista de mangá, um tipo de história em quadrinhos japonesa) idealizador de obras internacionalmente famosas como Astro Boy e Kimba, o Leão Branco (que muitos acreditam ter sido a inspiração por trás de Rei Leão), desenha, pela primeira vez, “Buda” (ブッダ), o mangá premiado que conta, de uma perspectiva única do autor, a história de Sidarta Gautama, o buda histórico, desde seu nascimento.

Este autor japonês é conhecido mundialmente pela significância de seu trabalho para a cultura popular e a arte do mangá, muitas vezes recebendo o título de pai do mangá moderno. Ele, coincidentemente, é descendente de uma figura histórica japonesa também muito representada no popular, e principalmente nos mangás, Hattori Hanzō (1541 – 1596). Samurai importante do xogunato Tokugawa, e reconhecido shinobi ou ninja, que dizem ter, após se aposentar da carreira militar, fundado o templo budista Sainen-ji, na atual cidade de Asakura, em Fukuoka, onde viveu o resto de seus dias como monge de nome Sainen.

A obra de Tezuka talvez tenha sido a primeira tentativa relevante de trazer a história budista para o mundo das revistas em quadrinhos, o que abriu portais interessantes para este tipo de representação. Hoje, contamos com algumas outras instâncias desta forma de arte representando aspectos da história e da prática da religião budista de uma forma muito acessível.

Por exemplo, mangás que contam o caminho de personagens históricos da tradição Sōtō-shū, como Bodhidharma (de ilustrações por Toshio Shoji), Dogen Zenji (por Fumio Hisamatsu e Ryodo Awaya), e Keizan Zenji, possuem vários capítulos e estão disponíveis para leitura, em livre acesso, na biblioteca virtual do site da Soto Zen. Estes quadrinhos são de grande valor para qualquer um que queira conhecer a história dos patriarcas de forma descontraída, mas informativa e factualmente correta.

Já na esfera nacional, temos algumas publicações traduzidas para o português circulando no mercado, como A História de Buda e ABC do Budismo, de Hisashi Ohta, ambas publicadas pela editora Satry, e o próprio mangá Buda de Osamu Tezuka, que será republicado em tradução inédita pela editora JBC, depois de ter passado por bancas brasileiras com a editora Conrad em 2005. Temos também, concebida e produzida em solo nacional, a revista em quadrinhos As Aventuras de Ikiu, da livraria Bodigaya, que conta histórias do personagem Ikiu, que é baseado no, e batizado pelo monge Zen Budista Moriyama Roshi.

Por sua natureza gráfica e de fácil acesso, a arte do mangá, e as HQs (Histórias em Quadrinhos) em geral, vêm tomando cada vez mais seu espaço no mundo midiático. Suas narrativas e a qualidade de sua arte tem chamado, com razão, muita atenção. São uma parte enorme da cultura japonesa, onde é comum para todos, e não só para as crianças, este tipo de leitura. Sua marcada presença no Ocidente ressoa os efeitos do intercâmbio cultural, que por consequência afeta ambos os lados. Um exemplo disto é o mangá Saint Young Men, de Hikaru Nakamura, que apresenta, de forma inofensiva e cômica, a relação entre duas figuras históricas, Sidarta Gautama e Jesus de Nazaré, como interpretados pelo artista, morando juntos como amigos em um Japão contemporâneo, por um momento distantes de seus papéis religiosos e mostrando, em cenas comuns do cotidiano, sua humanidade.

No bairro da Liberdade, em São Paulo, são muitas as livrarias e videotecas que comercializam a arte, e as vitrines estão lotadas de produtos relacionados. Quem não conhece uma criança ou jovem que gosta de mangá ou de anime (nome dado às animações japonesas)? Muitos de nós crescemos tendo-os, em algum nível, em nossa infância.

Justamente por isso podem ser um meio hábil de muita utilidade para a apresentação do budismo a este tipo de demografia. Similar a outras criações artísticas de cunho budista que foram desenvolvidas com a leitura juvenil em mente, como A Jornada de Tarô, de Dosho Saikawa Roshi, com tradução de Heloisa Prieto, que não é uma história em quadrinhos, mas possui uma narrativa tão descontraída e lúdica quanto, e exerce bem seu propósito de difundir o pensamento budista de forma criativa e bela para aqueles interessados no caminho, servindo de porta de entrada para o Dharma.

Vale lembrar que, como ensinam os mestres, os ensinamentos e as práticas são meios hábeis para o despertar; e estes meios hábeis tomam muitas formas diferentes. Apreciando as expressões artísticas e culturais das mais diversas em sua relação com o Dharma, regamos um pouco mais a semente búdica da libertação, bodhicitta.

 

Texto de Matheus Coutinho. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Mangás sobre a vida de Shakyamuni Buddha, Bodhidharma, Dogen Zenji e Keizan Zenji disponíveis em livre acesso no site da Sotozen, em português:

https://www.sotozen.com/por/library/comics/index.html

 

Livro A jornada de Tarô, por Dosho Saikawa, disponível para compra no site da comunidade Daissen:

https://loja.daissen.org.br/a-jornada-de-tato-dosho-saikawa

 

História em Quadrinhos As Aventuras de Ikiu:

 https://bodigaya.com.br/revista-ikiu-hq/

 

Imagens:

  1. Unsplash, de autor Martijn Bauduin, fonte: https://unsplash.com/photos/KKugFbEI2FU
  2. Foto da coleção completa do mangá Buda, fotógrafo Lourenço Carneiro.

 

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