Nascimento e Morte

 

A convivência com as crianças é realmente cheia de surpresas. Minha filha, atualmente com cinco anos, está na conhecida fase de perguntas. De acordo com pesquisa realizada pelo site britânico, Littlewoods, em 2013, as crianças fazem em média 300 perguntas em um único dia.

Esse número parece exagerado, porém quem convive diariamente com crianças, principalmente com crianças pequenas, sabe que elas fazem todos os tipos de perguntas. Como surge a minha sombra? Por que você cresceu tão rápido? Como posso pegar as nuvens? Eu vou ficar velhinha como a vovó? Onde vou morar quando crescer? Você, mamãe, vai morrer? Eu vou morrer?

Essas são algumas das perguntas reais provocadas pela minha filha. Importante destacar, que o propósito deste texto é apenas compartilhar minhas experiências como mãe e praticante budista, deixando claro que não tenho formação em psicologia ou pedagogia. Acredito que cabe a cada adulto, de acordo com suas crenças, com suas experiências particulares, estabelecer sua relação com a criança, inclusive no que tange à como lidar com tantas perguntas, muitas vezes difíceis.

Percebo que as crianças possuem uma ampla gama de perguntas, das mais simples de se responder às mais complexas. Os questionamentos sobre a existência estão, na maioria dos casos, entre o rol das mais difíceis de se responder.

Vera Iaconelli, doutora em psicologia pela USP e autora do livro “O mal-estar na Maternidade” insiste sobre a necessidade de falarmos sobre o luto e sobre a morte com as crianças, tendo em vista que a morte, para a psicóloga, tornou-se o novo tabu no diálogo entre adultos e crianças.

Assim, nesse momento de questionamentos profundos da minha filha, percebi o quão valoroso é estar em um caminho espiritual que faça sentido para mim. Não se trata aqui de se ter as respostas certas ou mesmo responder a todas as perguntas, mas estar em paz com as nossas próprias questões existenciais, para poder apresentar para nossa criança.

Talvez o mais difícil para nós pais e cuidadores não seja necessariamente responder as perguntas, mas lidar com a maneira direta e expansiva com que a criança nos apresenta certas questões do mundo. Se não olharmos para como estamos vivendo a nossa própria vida, se negarmos a nós mesmos que a morte é um fato consumado a todos nós, ficará mais difícil conviver com essas perguntas. Além disso, eventualmente, podemos passar por momentos de perdas com os pequenos, seja a morte de avós, tios, pais e até mesmo por um adoecimento grave da própria criança.

Por mais dolorido que seja vivenciar essas experiências, sabe-se que a atitude de não falar sobre a morte, com o intuito de preservar a criança, causa um efeito contrário. Ainda segundo Vera, “É muito penoso para a criança sentir tanta consternação, além de sua própria perda, ser tratada como alguém com quem não se deve falar sobre ”esses assuntos”. Viver emoções que não podem ser verbalizadas pode ser muito prejudicial e falar com liberdade ajuda a elaborar situações como essas”.

Confiante nessa necessidade de se falar abertamente sobre todos os tipos de questionamentos com a minha filha, sigo aprendendo e vivenciando os ensinamentos budistas. Não existe uma resposta padrão, mas dizemos a minha filha que não sabemos ao certo o que acontece depois de morrer. Digo que podemos assumir outra forma, ser um animal e eventualmente até brincamos e usamos a imaginação com essas histórias. Isso torna a questão leve para nós.

Porém, recentemente, minha filha tem me perguntado se eu vou ficar velhinha e se irei morrer. Percebo nessa pergunta o medo profundo, que também há em mim, da separação. Olho em seus olhos e digo que acredito que a nossa separação nunca vai ocorrer. Digo que estou nela e ela está em mim. As vezes ela tem vontade de chorar, apenas a abraço e logo, dali dois minutos, já estamos fazendo atividades do nosso dia a dia.

Porém, algumas vezes a angústia permanece em mim, então me refugio nas três joias e me recordo de tanto ensinamentos de mestres budistas, em especial do mestre Thich Nhat Hanh que traduz tão bem como a ideia de nascimento e morte é nossa maior ilusão nesse trecho do poema “Este corpo não sou eu”

“Nascimento e morte são apenas um jogo de esconde-esconde.
Então sorria para mim e pegue a minha mão e me dê adeus.
Amanhã devemos nos encontrar novamente, ou mesmo antes.
Nós devemos sempre nos encontrar novamente na verdadeira fonte,
Sempre nos reencontrando na miríade de caminhos da vida..”

 

Texto de Liana Lopes. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

http://revistacrescer.globo.com/Revista/Crescer/0,,EMI335849-15546,00-CRIANCAS+FAZEM+MAIS+DE+PERGUNTAS+POR+DIA+DIZ+PESQUISA.html

https://www.folhadelondrina.com.br/opiniao/espaco-aberto—a-morte-e-as-criancas-468453.html

 

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