Monge Ryushô, o jovem abade de Renpukuji

 

Nesta edição, tivemos a alegria de entrevistar o Monge Ryushô, recentemente nomeado o mais jovem abade do Mosteiro Renpukuji.

Monge Ryushô pertence à Ordem Soto Zen, uma das maiores religiões do Japão, com cerca de quinze mil templos, oito milhões de adeptos (só no Japão) e dois principais mosteiros, o Eiheiji, em Fukui, e o Sojiji, em Yokohama.

O jovem abade nasceu há 30 anos em Itapetininga, interior de São Paulo, com o nome Antônio Luiz Goulart e foi quase arquiteto. Ele conversou conosco sobre seu encontro com o Budismo, seu treinamento monástico no Mosteiro de Sojiji, sobre a nomeação e atribuições como abade e deixa uma bela mensagem aos nossos leitores.

Poderia nos contar um pouco da sua história, como ocorreu seu encontro com o Budismo?

Monge Ryushô: Meu encontro com o Budismo aconteceu desde muito cedo. Quando ainda era criança, me lembro de participar de cerimônias memoriais aos antepassados da família, na casa das minhas tias, na cidade de Registro, litoral sul de São Paulo. Duas vezes ao ano tínhamos o costume de passar as férias escolares na casa de familiares, e em algumas ocasiões conversava com o monge que nos atendia. Como ele falava muito pouco português, eu me aproveitava da situação para também treinar a língua japonesa. Sempre fui incentivado a frequentar o Templo Busshinji para ajudar nas tarefas diárias. Com o passar do tempo também comecei a participar das atividades da sangha e também passei a ajudar no escritório do templo; e, em um certo dia, o Monge Abade do Templo marcou a minha ordenação. Então, após algum tempo, me chamaram para ser Shuso (líder dos noviços) no templo Ryumonji, na França. No mesmo ano, após o Hossenshiki (Batalha do Dharma), embarquei para o Japão para começar o treinamento no mosteiro.

 

Poderia compartilhar conosco como foram os anos de treinamento no mosteiro de Sojiji?

Monge Ryushô: No total foram cinco anos. Meu Jozan (entrada no mosteiro) foi no outono (no Japão, em setembro) de 2015. Éramos em quase oitenta novatos. Minha entrada no mosteiro aconteceu no ano em que comemorávamos o aniversário de 650 anos de falecimento do Segundo Abade do Mosteiro de Sojiji, Mestre Gasan Jōseki Zenji. Nesse ano, meu mestre estava encarregado de oficiar uma cerimônia na sede central, e muitos congregados de seu templo aqui do Japão e congregados do Templo Busshinji no Brasil, amigos e familiares vieram para homenageá-lo. Dentre essas pessoas, eu também estava na caravana.

No mosteiro de Sojiji, os novatos são recebidos apenas duas vezes ao ano. A coincidência fez com que uma simples viagem ao Japão mudasse cem por cento dos meus planos. E sem pensar muito, assim o fiz. Entrei no mosteiro oficialmente. Como cresci no meio da comunidade Nikkei, não tive muitos problemas em relação a barreira linguística e cultural. Depois de um tempo, já tinha me adaptado às regras e funções do mosteiro. Novatos não podem falar com veteranos se não for solicitado. Não se pode olhar nos olhos. Quando cruzamos com superiores nos corredores, devemos abaixar a cabeça e esperá-los passar. Quando nos perguntam algo, só podemos responder com um sim ou um não, nada mais. Entre novatos a relação de cuidado um com o outro é muito especial, pois naquele momento só temos uns aos outros. Viver em um mosteiro não é nada fácil. Há muito cansaço e estresse. Dormimos pouco e trabalhamos muito; temos que decorar muitas coisas, como cerimônias, sutras (principalmente), datas, nomes, etc.

Quando nos tornamos veteranos ficamos responsáveis por instruir os novatos, administrar o departamento em que estamos atuando, participar de reuniões, ajudar a manter a harmonia e observar tudo o que acontece. Durante meu treinamento, tive a oportunidade de participar de cerimônias muito importantes para o mosteiro, como o funeral do vigésimo terceiro abade Itabashi Kōshū Zenji e também de outros grandes mestres com fortes elos com o mosteiro de Sojiji.

Soubemos que sua intenção, após o término do seu treinamento, era retornar ao Brasil como missionário internacional, no entanto, tornou-se abade no Japão por escolha de seu mestre, Saikawa Roshi. Como o senhor lidou com essa mudança de perspectiva?

Monge Ryushô: A princípio, o combinado era eu ficar alguns anos no Japão e depois retornar ao Templo Busshinji como missionário internacional. Durante esses cinco anos de confinamento, vários convites e oportunidades surgiram. O mestre de meu mestre foi o fundador do departamento de publicação do monastério de Sojiji. Saikawa Roshi também trabalhou no mesmo departamento por muitos anos. Eu também recebi uma proposta de encerrar meu treinamento e passar a trabalhar no mosteiro no departamento internacional. Recebi a transmissão do Dharma do meu mestre de ordenação Saikawa Roshi e foi quando ele me pediu para cuidar de seus templos aqui no Japão e voltar para Sojiji em uma próxima oportunidade, após adquirir mais experiência como abade. Esses templos ficam no Nordeste, uma região muito fria, com o verão intenso e o inverno muito rigoroso. Assumi o Templo Renpukuji, na cidade de Tsuruoka, prefeitura de Yamagata e o Shinsan Kessei (cerimônia de posse) no Templo Hossenji (atual residência do meu mestre) está prevista para daqui a alguns anos. No começo fiquei um pouco perdido. Não entendia direito o dialeto da região, mas aos poucos fui me adaptando. Os congregados foram muito receptíveis e amáveis. Hoje em dia posso dizer que me sinto em casa.

Poderia compartilhar conosco quais são suas atribuições como abade do mosteiro Renpukuji e como administrador dois outros dois templos de seu mestre?

Monge Ryushô: No dia em que entrei pela primeira vez nos templos, a pasta das papeladas administrativas, listas de congregados e o cronograma das atividades estavam postas sobre a minha cama (risos). Ser abade (Jūshoku) é uma responsabilidade muito grande. O templo é uma instituição com nome, registro, diretores, regras, etc. O abade é o líder religioso e também o representante legal da instituição perante a Secretaria da Justiça. Ou seja, além da prática religiosa há também o serviço burocrático, como bancos, pagamentos, notas e serviços, apresentação de documentos na Secretaria da Justiça, na prefeitura, corpo de bombeiros, delegacia regional, no escritório administrativo da ordem Soto, etc. Em relação à prática, realizamos atividades com os congregados e/ou simpatizantes, como zazenkai, shakyoukai (escrita de sutras), treino de caligrafia. Temos também o grupo de jovens monges, que atuam nas escolas, casas de repouso, hospitais; promovemos atividades recreativas, teatro de fantoches, fazemos samu (limpeza) em praças públicas e praias. No inverno saímos debaixo da neve para fazer takuhatsu (arrecadar doações). Os serviços religiosos também incluem cerimônias memoriais aos antepassados, funerais, ordenações, etc.

O senhor experienciou o Zen Budismo como leigo em um país ocidental, posteriormente como monge e agora abade no Japão, poderia nos dizer se as diferenças culturais modificam o Zen?

Monge Ryushô: O Zen é tão simples, que tentar falar sobre isso se torna algo muito difícil. Eu percebi que no ocidente, desde criança somos acostumados a questionar o porquê das coisas antes mesmo de experimentá-las. No Japão, muitas coisas não se questionam. Em muitos casos, questionar se torna um ato extremamente rude. Digamos que no Japão, primeiro há a experiência e depois o questionamento. É muito comum escolas e empresas levarem seus alunos e funcionários para viverem experiências pessoais em diversas áreas. No Brasil vejo que há muita fantasia sobre o Zen, pouquíssima experiência e muita intelectualidade. O Zen vai se adaptando de acordo com cada país e a cultura das pessoas, sim. Mas se praticamos numa escola japonesa onde existe um manual escrito com todos os procedimentos da nossa ordem, acho que não temos autoridade suficiente para mudarmos o que já está pronto. Precisamos incentivar mais pessoas a virem treinar nos mosteiros oficiais, para aprenderem como a nossa ordem realmente funciona. Ainda há um déficit muito grande de professores do Dharma fora do Japão e infelizmente ainda não temos mosteiros oficiais de treinamento no ocidente.

 

Vivemos em tempos inquietantes, o senhor poderia deixar uma mensagem aos nossos leitores?

Monge Ryushô: Não é preciso nem olhar nos noticiários para vermos como a pandemia trouxe sofrimento e inquietação para todos. Estamos passando por um momento muito difícil e não vemos a hora de sair de casa, não é mesmo? Nós seres humanos temos muitas fases durante a vida. Estamos sempre insatisfeitos, preocupados, vivendo e sofrendo por aquilo que ainda está por vir. Muitas vezes tomamos atitudes precipitadas e inconscientes. Somos muito ansiosos. Shakyamuni Buda nos ensina a viver o presente. Respirar conscientemente e perceber o que está acontecendo com nós mesmos. Ao conhecer um pouco de nós mesmos lidamos melhor com nossos sentimentos, nossas inquietações, nossa maneira de agir e de ver o mundo. Viver o presente não é estar parado e estagnado. Muito pelo contrário, significa estar sempre atento, e a respiração consciente é a chave para termos o controle de nós mesmos

Poderia deixar uma mensagem para quem está iniciando o caminho do Dharma?

Monge Ryushô: Meu conselho é dar um passo de cada vez. Ir experimentando e adquirindo experiência. Deixar que o conhecimento e as respostas para nossas questões se manifestem de maneira natural, sem influências externas. Basta apenas agir, falar, se posicionar e viver de maneira correta, que a compressão também surgirá automaticamente.

 

Entrevista realizada por Lenemar Nascimento Pedroso. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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