Convivência em Sangha

 

Desde o Despertar de Buddha Sakyamuni, quando seus primeiros discípulos passaram a segui-lo para aprender, apreender e praticar o Dharma, deu-se início à Sangha ou, o Samgha como dito em outras escolas Budistas (em páli, Saṅgha; em sânscrito, संघ Saṃgha).

Sangha quer dizer “associação”, “assembleia”, “comunidade” com visão, objetivo ou propósito comuns. À medida que os ensinamentos de Buddha Sakyamuni foram se espalhando pela Índia a Sangha foi então tomando forma, passando de 3 a 5 discípulos, para dezenas, centenas até chegar aos milhares, de Monges, Monjas, Leigos e Leigos há 2588 anos.

Desde os primórdios da raça humana, quando começamos a nos organizar em bandos, tribos e sociedades centralizadas/Estado, os conflitos são inerentes à nossa espécie. Não foi diferente na época de Buddha, então além da pratica e observância das Quatro Nobres verdades, sobretudo a Quarta Nobre Verdade – O Caminho Óctuplo – Ele viu a necessidade de estabelecer regras de convivência – algumas escolas Budistas mais ortodoxas as mantem até os dias de hoje – regras estas que estavam ainda além da observância e prática dos 16 Preceitos Puros.

Assim como naquele tempo e até os dias de hoje, a Sangha recebe e acolhe todos os tipos de praticantes, somos oriundos da mesma essência, mas não somos iguais! Além das marcas kármicas que trazemos para esta existência, carregamos as que adquirimos desde quando nascemos, como nossos gostos e preferências, apegos e aversões, manias etc. Além disso, cada um de nós está num estagio de elevação espiritual diferente do outro, isso é individual! E é verdade para Monges, Monjas, Leigos e Leigas, definitivamente, é assim!

Mas devo então ser um “Santo”, um “Iluminado” para poder fazer parte de uma Sangha Budista!?  NÂO!!  Seria bom, pois daríamos menos trabalho ao nosso Mestre, mas não, não é nosso caso, pelo menos por enquanto.

Além das regras e os Preceitos, temos um modelo ideal para seguir, Buddha, e também na vasta literatura budista de grandes Mestres posteriores a Ele e do presente para nos espelharmos. Muitas pessoas copiam as roupas, as falas e opiniões dos seus ídolos da musica, do esporte, da televisão etc. Aqui, na Sangha, tentamos imitar Buddha Sakyamuni, que para nós, pelo menos no ZEN, não um ídolo, mas um homem.

O Budismo, migrou da Índia para a China, para o Tibete, Coréia, Tailândia até que chegou ao Japão, então as regras iniciais que eram observadas pelos praticantes da Índia foram adaptadas conforme as condutas da cada sociedade, o meio ambiente em que viviam. Por exemplo: na Índia, os Monges não podiam usar nenhuma outra vestimenta que não fosse um manto, mas a Índia é um pais quente; já em regiões da China e Japão que alcançam baixíssimas temperaturas no Inverno, a vestimenta dos Monges teve que ser adaptada àquela realidade local.

Como disse acima, quando nós, seres humanos, nos juntamos sempre há conflitos, seja com amigos, reuniões familiares, de trabalho e também na Sangha.  Somos seres conflituosos e praticar juntos é o que nos ajuda mutuamente a nos melhorar. Podemos nos imaginar como pedras pontiagudas dentro de um grande pote, à medida que as pedras se movimentam dentro do pode há o contato e o atrito entre elas, saem faíscas, mas com o tempo àquelas pontas que “machucavam” vai se arredondando de forma que não machucam mais umas as outras. Às vezes é necessário que venha o Mestre e chacoalhe o pote inteiro. Outro exemplo: nós somos cubos de gelo, com arestas bem afiadas, quando nos chocamos com os outros cubos da vida, machucamos e nos machucamos mutuamente. Mas na Sangha temos o Mestre, os praticantes mais antigos, estes últimos praticando para “derreter” e virar uma poça de d´agua, assim como nosso Mestre, e acolher as outras pedrinhas de gelo que chegam para que derreter, para que sejamos uma só água.

A Daissen Ji é filiada e está subordinada às regras e recomendações de práticas da Escola Soto Zen, do Japão fundada no Século XIII por Dogen Zenji Sama. Muitos de nós conhecemos e admiramos os costumes e as regras de etiqueta japonesa e é difícil para nós brasileiros nos adaptarmos a elas. Quem já praticou ou pratica alguma arte marcial japonesa e tem ou teve a sorte de ter um bom Mestre, quando chega à nossa Sangha não encontra resistências internas, e logo se adapta às nossas práticas e condutas do Zen.

Assim como nas artes marciais japonesas e assim também na Escola Soto Zen, temos regras para entrar, permanecer e sair do ZenDô, como se portar dentro da Sangha. Raramente temos contato físico, como beijos e abraços, sobretudo para com o Mestre, nunca devemos abraça-lo, muito diferente do costume brasileiro, um Gasshô e uma reverência bem feitos são suficientes para expressar nosso amor e carinho pelo Mestre.

O Silencio é algo muito apreciado na Sangha, quando precisamos falar falamos baixo e apenas o necessário. Buddha nos alerta em seu último discurso antes de sua morte no Mahaparinirvana Sutra:

Buda disse: “Se vocês se engajarem em todas as espécies de discussões desnecessárias, sua mente será muito perturbada. Embora vocês possam ter deixado sua família (monges) vocês serão incapazes de se libertar. Por isso devem imediatamente abandonar essas discussões que perturbam a mente. Se vocês querem obter a alegria da serenidade, devem inibir a falta da discussão inútil. Isto é chamado não se engajar em discussões inúteis! ”

Nunca andamos de qualquer jeito, balançando os braços, dentro da Sangha, sempre andamos usando o Mudra Shashu, também não nos sentamos de qualquer maneira dentro do Zendô, especialmente quando está sendo lido um texto do Dharma ou estamos ouvindo o Teisho do Mestre ou um Sensei, sentamos em Seiza, ou em lótus, nunca com as pernas esticadas e com as costas apoiadas na parede. Mesmo que estejamos sentados em cadeiras, mantemos uma postura correta, coluna ereta, sem cruzar pernas, pois todo nosso corpo e mente devem estar atentos para receber os ensinamentos do Dharma.

Normalmente, usamos roupas de tons escuros, preferencialmente pretas, de mangas longas e calças largas e confortáveis. Para nós a cor preta é a cor da humildade, significa não aparecer, não chamar a atenção. Roupas com cores muito vibrantes criam distrações desnecessárias nos demais praticantes, nunca usamos shorts, bermudas e camisas de regata em nossas práticas.

Assim como na época de Buddha, no início da grande Sangha budista, a Terceira Joia do Budismo, recebemos e acolhemos a todos os que chegam. No Zen não fazemos proselitismo religioso e conversões. O Zen às vezes é acusado até de ser “indiferente”, o que não deixa ter um fundo de verdade! Podemos frequentar uma Sangha por semanas, meses ou anos, deixar de ir, e ninguém vai nos ligar ou mandar mensagens nos pedindo para voltar. O Dharma está lá, quando quiser voltar, volte!! Para nós pouco importa se quem chega é cristão, judeu, espírita, o tom da sua pele, quer seja asiático ou ocidental, orientação sexual, pouco importa também sua quantidade de diplomas, sua idade, sua fé em um deus ou deuses ou mesmo sua erudição no Dharma. Todos nos sentamos em Zazen, olhamos para a mesma parede, ao final da prática limpamos o Zendô e vamos para nossas casas. Entramos e saímos sem deixar rastros!

Isso pode dar a falsa impressão de que somos “frios”, mas à medida que vamos participando em Zazenkais, Sesshins e vamos nos engajando na Sangha, o amor, o carinho, o respeito que vivenciamos é profundo e muito alegrador e temos a nítida sensação de que participamos e colaboramos com algo muito maior do que nós e levamos isso para o seio de nossa convivência familiar, profissional, onde quer que possamos estar.

Há dois anos estamos todos praticando de forma virtual, há 2588 anos isso não existia, são os meios hábeis que temos à nossa disposição para praticar e propagar o Dharma de Buddha. Há um grande anseio de todos nós em voltar com as práticas presenciais, temos uma “geração” de pessoas que nunca tiveram essa experiência, ainda, mas logo estaremos juntos. Espero ter colaborado um pouquinho com quem está lendo esse texto, em elucidar um pouco de como é nossa convivência em Sangha presencial. Assim que as Sanghas Daissen, ou da sua escola de preferencia, estiverem liberadas, vá, esteja presente, não dê só dinheiro, isso é importante, mas sua presença física é tão importante quanto, participe, pratique, ajude.

Somos todos a Sangha de Buddha.

Profundo Gasshô

 

Texto de Fernando Nandô 南道. Coordenador da Sangha Daissen Ji São Paulo. Escola Soto Zen.

Pin It on Pinterest

Share This