Esquecer-se de Si Mesmo

 

Houve um primeiro momento, dentro do Zen, que percebi que precisava desistir, no bom sentido. É engraçado, pois, na nossa sociedade, não somos ensinados a fazer algo como desistir. Pelo contrário, geralmente nos é ensinado que é preciso persistir, confiar em um eu interior, inerente e eterno. Mesmo diante de tal contradição, no começo é importante desistir.

Quando digo desistir não estou querendo incentivar ninguém a desistir da vida, ou de coisas que julgam importante. Quando digo que é importante desistir estou querendo dizer que é preciso abandonar as coisas que compõem a ilusão de nosso eu eterno. Essa é uma lição muito valiosa que encontrei dentro do Budismo, que devemos abandonar, desistir das ideias, métodos e formas que encontramos em outros lugares para que seja possível trilhar um caminho diferente do que estamos acostumados. Afinal, como podemos querer dar um rumo diferente para nossa vida trilhando o mesmo caminho de sempre? Essa pergunta acaba sendo muito reveladora e se assemelha muito a princípios terapêuticos encontrados em terapias muito bem consolidadas na literatura especializada e técnica de psicologia.

Existe um tipo de terapia, denominada de Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) que utiliza esse processo de desesperança com uma finalidade parecida. Quando estamos em sofrimento intenso é normal que nosso primeiro impulso seja o de nos livrar daquilo o mais rápido possível e procurar vários métodos para que isso ocorra. Geralmente, quando nos engajamos em uma vida voltada a fugir dos desagrados, com ações voltadas a proteger nosso eu e não o expor ao perigo, estamos alimentando esse sofrimento. É por isso que o primeiro passo, que usualmente abre terreno para um tratamento eficaz de saúde, é mostrar para a pessoa que aquilo que ela vem fazendo não está funcionando. O desapego, a desesperança de trilhar esse caminho que nutre as mazelas da mente pode ser algo saudável e abrir caminho para que surjam maneiras de se lidar com o sofrimento mais criativas e eficientes.

O que me chama atenção é que, hoje em dia, existem muitas terapias que apresentam sucesso no tratamento de transtornos psicológicos que utilizam de princípios semelhantes ao método budista, são as chamadas terapias de aceitação e mindfulness. Como citada anteriormente, a ACT é um modelo de tratamento que entende que a raiz do sofrimento é a inflexibilidade e a fuga de experiências psicológicas. Em outras palavras, a raiz do sofrimento é o apego a um “eu” que é muito rígido. Quando damos muito valor às nossas opiniões, não queremos ter um “eu” ferido e acreditamos que as coisas têm que ser de uma maneira como “eu” quero. É aí que temos a receita do sofrimento psicológico.

De início parece estranho, acredito que tanto aos praticantes quanto a pacientes recém-chegados na terapia, que devemos abandonar, esquecer-se de si mesmo. Apesar da estranheza, quando começamos a trilhar esses caminhos e vamos largando esse “eu” rígido e cheio das vontades para trás começamos a nos sentir diferentes, talvez um pouco mais satisfeitos, mesmo que os problemas usuais não tenham desaparecido.

O Budismo converge de maneira muito sublime com vários tipos de terapias comportamentais de um jeito muito bonito, simples e uma boa amostra de como é possível encontrar a interdependência e a natureza de unicidade entre tudo o que existe. Entraremos agora no mês de setembro, em que existem muitas campanhas de conscientização em relação ao tratamento da depressão. Por esse motivo espero, humildemente, que estes escritos sirvam como um incentivo para mostrar que é possível adentrar em um caminho de tranquilidade, paz e saúde. Muitas vezes para abrir um novo caminho em nossa vida é preciso abandonar alguns caminhos que estamos acostumados a trilhar.

 

Texto de Renato Oliveira, psicólogo e terapeuta clínico. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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