Seguindo a Correnteza

 

Uma visão zen budista sobre a percepção do meio ambiente

 

Há diversas causas que nos trouxeram ao cenário atual no qual se tornam urgentes políticas que busquem a preservação ambiental. No cerne dessas múltiplas causas está a visão, ou melhor a percepção equivocada que projetamos sobre nós mesmos enquanto seres humanos e sobre o meio onde vivemos.

No livro Sapiens: uma breve história da humanidade, Yuval Harari apresenta alguns dados interessantes sobre a origem da nossa espécie. No capítulo intitulado “Um animal Insignificante”, Harari afirma que há 2 milhões de anos nosso planeta era povoado por várias espécies humanas ao mesmo tempo, não existindo a evolução linear de descendência entre o homo erectus até chegar ao homo sapiens. Nesse contexto, Harari apresenta a seguinte reflexão: “A ausência de irmãos e irmãs torna fácil imaginar que somos o epítome da criação e que um cisma nos separa do resto do reino animal”.

Assim, nos sentimos separados não só do reino animal, mas também de tudo o mais que nos cerca. Essa divisão, entre nós e o meio, é tão proeminente que somos incapazes de enxergar uma característica básica da existência, a interdependência de todos os fenômenos. Além disso, frequentemente, ao nos percebermos separados, nos colocamos em um grau superior a tudo que nos cerca, como se a natureza existisse para nos servir.

O fator cultura é uma causa preponderante sobre a nossa percepção do meio ambiente. Em entrevista concedida à coluna Ecoa, do site UOL, o escritor de origem indígena, Daniel Munduruku, faz uma descrição sobre como se dá a existência de uma árvore, a partir da vivência do seu povo e da sua cultura, ilustrando o conceito da interdependência. “Não existe possibilidade de a árvore se dizer sozinha, autossuficiente. As raízes precisam ser alimentadas pelos outros seres, pela terra, e ao mesmo tempo a árvore está gerando o alimento do passarinho, do macaco, da lagarta”.

Atualmente devido as catástrofes ambientas em consequência do nosso comportamento perante ao meio ambiente, estamos sendo obrigados a alterar a nossa percepção da natureza. Nesse contexto, é crescente movimentos que tragam um outro olhar para o meio ambiente, com atitudes mais amorosas e integrativas.

Por outro lado, há 2.500 anos o Budismo vem se desenvolvendo, repleto de ensinamentos que valorizam a natureza e apresenta por meio de diversos conceitos, como o da interdependência, a perspectiva de uma relação amorosa e responsável com a biota, a fauna e todos os fenômenos da natureza. Nesse contexto, o termo correto aqui não seria nem relacionamento, mas sim existência comum do homem com o meio ambiente.

Na tradição zen budista a prática do zazen instiga o praticante a permanecer no momento presente. Na prática somos incitados a não conjecturar, a não julgar, não comparar, simplesmente permanecer aqui e agora, uno com todas as coisas. Percebemos que tudo há em nós, assim como há tudo no meio ambiente. Abandonamos a mente que investiga e julga e passamos a “nos sentir” como a própria natureza.

Por meio dessa prática não há bom e ruim. Como descreve o monge Koho Mello em seu texto sobre Responsabilidade Natural, uma abordagem zen budista, no caminho da sabedoria-Buda um dos primeiros ensinamentos é o acolhimento. Aceitamos e acolhemos os fenômenos tais como eles são. Nesse texto monge Koho cita essa linda passagem do mestre Dogen: “O Caminho de Buda está originalmente para além da abundância e da escassez. Ainda que amemos as flores, elas murcham; e ainda que detestemos as “ervas-daninhas”, elas crescem. ”

Nesse sentido, para o Zen Budismo não há qualquer cisão entre o meio ambiente e nós. Não há um ser que observa e avalia a natureza porque nós somos a própria natureza. Assim, quando praticamos no Zen, ao sentarmos, somos convidados a abandonar a divisão e os muros que criamos com o meio ambiente. Muitas vezes, na nossa história, principalmente na história ocidental, observamos o ambiente natural como um local para ser “enfrentado”, domado”, “controlado”, assim como muitas vezes tentamos fazer com a nossa própria mente.

Assim, o Zen Budismo, como método de desconstrução, nos convida para o oposto. Não há nada para ser enfrentado. Não há mundo selvagem, não há meio ambiente para ser controlado, “domesticado”. Como diz um conto zen sobre um homem bêbado que se salvou de um acidente dentro de um rio violento: “Ele se acomodou à água, não tentou lutar com ela. Sem pensar, sem racionalizar, ele permitiu que a água o envolvesse”.

 

Texto de Liana Oliveira Lopes Borges. Auditora Fiscal do Meio Ambiente. Praticante no Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Fonte:

https://www.uol.com.br/ecoa/reportagens-especiais/trabalho-entrevista—daniel-munduruku/#page6

https://zurichzencenter.org/2021/08/03/responsabilidade-natural-uma-abordagem-zen-budista/

Podcast: Gotas do Darma:  #70 Poesias e Contos Zen – Seguindo A Correnteza

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