Nomeando os Seres: a Sabedoria na Identificação Específica dos Organismos

Figura 1 Pesquisadores estudando plantas em floresta no estado do Amazonas. Foto de Francisco Farroñay.

 

Segundo os relatos sobre a história de Buda Shakyamuni, antes de iniciar a maratona meditativa que o levou ao despertar, ele se alimentou de mingau de arroz. O arroz é uma planta de origem asiática cultivada há, possivelmente, mais de 8 mil anos. Trata-se de uma espécie de gramínea de atual nome científico Oryza sativa. Para que Shakyamuni pudesse se alimentar, portanto, muito antes disso, outros humanos precisaram identificar e cultivar plantas com propriedades úteis à sua existência. Essa hábil capacidade de fazer distinções e sistematizar informações nos levou inclusive ao entendimento dos mecanismos da evolução e de como surgem o que chamamos de espécies.

A área da Biologia na qual os organismos são reconhecidos como espécies e recebem um nome científico se chama Taxonomia. Esta disciplina teve seu marco inicial na obra Systema Naturae, de Carlos Lineu (1735). Desde então, todas as espécies descritas recebem uma designação binominal (Homo sapiens, por exemplo). Também é nessa área que os organismos são classificados, ou seja, posicionados dentro de grupos hierarquizados conforme suas semelhanças (Reino, Filo, Classe, Ordem, Família e Gênero).

Com o entendimento dos mecanismos da evolução a partir da seleção natural e variabilidade genética dos organismos, e com a sofisticação do conhecimento da biologia geral, hoje a delimitação de espécies na natureza é feita sob vários parâmetros (morfológicos, genéticos, ecológicos, reprodutivos). Há um consenso de que a hierarquia utilizada na classificação dos seres deve refletir a ancestralidade comum entre eles, assim os organismos devem ser classificados com base em seu grau de parentesco evolutivo (ex.: os homens são mais proximamente aparentados com macacos do que com aves; os homens são mais proximamente aparentados com aves do que com plantas). Os nomes das espécies, portanto, carregam uma grande quantidade de informações biológicas e são o resultado do trabalho de gerações de cientistas.

É fato que número real de espécies em todo o planeta é desconhecido e estamos longe de conhecê-lo. Segundo as estimativas mais recentes, o total de espécies em todo o globo, incluindo animais, plantas, protozoários e bactérias, é de algo entre 5 e 10 milhões. Os nomes científicos registrados, por outro lado, são de aproximadamente 2,1 milhões. Em alguns casos, por um equívoco técnico, uma mesma espécie pode ter recebido mais de um nome, gerando sinônimos. Desta forma, os nomes válidos, aqueles correspondentes a unidades reais na natureza, são um número ainda menor, em torno de 1,7 milhões.

Estudar as espécies é algo urgente, pois muitas delas podem desaparecer antes mesmo que as conheçamos. De acordo com a Lista Vermelha da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN Red List), mais de 37.400 espécies estão ameaçadas de extinção. Entre as principais ações que levam a esse quadro, estão o desmatamento de florestas e os cultivos agrícolas em larga escala (Figura 2). Além disso, é importante ressaltar que as mudanças climáticas já são responsáveis por pelo menos 19% das espécies ameaçadas.

Quais quer que tenham sido as causas ou quando quer que tenham começado, estamos nós, humanos, com grandes desafios ambientais para lidar. Tudo o que podemos fazer é conhecer e cuidar da natureza, e tudo o que temos são nossas ideias, palavras e ações. Além de todo sofrimento já causado pelos problemas ambientais de agora, nossos descendentes também herdarão diversas consequências negativas. Assim, diante disso, um budista precisa lembrar de sua responsabilidade com todos os seres. É importante apoiar a ciência e aqueles que estudam a natureza. Se possível, é de grande valia entender os problemas ambientais em detalhes e difundir o conhecimento científico disponível.

A busca pela compreensão da diversidade dos seres é algo que começamos há muito tempo e ainda precisaremos fazer indeterminadamente. Todo organismo é parte de um complexo maior na natureza. Quanto mais detalhes sobre estas formas obtivermos, melhor poderemos subsidiar ações eficientes e um convívio sustentável com todos os seres. O nome de uma espécie transcende o pensamento e a vida individual. Neste sentido, nomear uma espécie pode ser tanto um gesto de respeito aos que nos antecederam, quanto uma mensagem de amor e sabedoria para as gerações futuras.

 

Texto de Diego Dias da Silva. Biólogo, desenhista e praticante de Zen Budismo na comunidade Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Fontes:

Carlos Lineu (1735): Systema Naturae.

https://www.biodiversitylibrary.org/bibliography/542

D. Sharma (2010): Rice: Origin, Antiquity and History. Taylor & Francis: Boca Raton, 580p.

Julia D. Sigwart (2018): What Species Mean. A User’s Guide to Units of Biodiversity. Taylor & Francis: Boca Raton, 248p.

Hannah Ritchie & Max Roser (2021): OurWorldInData.org. “Biodiversity” https://ourworldindata.org/biodiversity IUCN (2021): Red List

https://www.iucnredlist.org/

 

 

 

 

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