Retornando à Fonte

 

O impacto de um sesshin sobre a atenção de praticantes e não praticantes.

 

“Tendo retornado à fonte,

Não há mais esforço.

O eu íntimo nada vê fora,

Nada ouve fora.

Ainda assim, o rio sem fim flui tranquilamente,

As flores são vermelhas”.

Os Dez Passos do Boi, Kakuan

 

Um observador externo que nada conheça do Zen provavelmente julgaria que as longas horas de imobilidade durante um sesshin, sentados de frente para uma parede, não fazem qualquer sentido e parecem uma incompreensível perda de tempo. Quem já participou de um sesshin, porém, sabe por experiência que saímos dali diferentes. Voltamos para nossas vidas, para nossos afazeres e problemas de antes, mas olhamos e recebemos tudo com mais leveza e menos sofrimento.

Esse tipo de efeito positivo das práticas meditativas tem despertado interesse crescente da neurociência. Nos últimos anos, a disponibilidade de novas tecnologias tem permitido investigar a relação entre as experiências subjetivas dos praticantes e o funcionamento cerebral. Nesse sentido, vários estudos têm chegado à mesma conclusão: a prática da meditação parece ser capaz de modificar de forma consistente a maneira como as diversas regiões do cérebro interagem, sobretudo aquelas associadas ao que chamamos genericamente de “atenção”.

Uma pesquisa recente realizada no Brasil investigou os efeitos de um sesshin de sete dias sobre o funcionamento da atenção de não meditadores e de meditadores com pelo menos três anos de prática. Com esse propósito, os participantes eram avaliados antes e depois do retiro. Em cada uma dessas avaliações, eles eram submetidos a um exame de ressonância magnética funcional enquanto respondiam a uma tarefa simples para avaliar a atenção, o chamado teste de Stroop. A realização da ressonância magnética neste momento permitia registrar as áreas cerebrais que estavam sendo ativadas durante a tarefa.

O teste de Stroop é uma ferramenta muito conhecida dos neuropsicólogos. Basicamente, ele é composto de um conjunto de cartões que deve ser apresentado em sequência. Em cada cartão, há uma palavra escrita com uma determinada cor. Quando vê o cartão, a pessoa que está sendo avaliada deve dizer qual é a cor da palavra. Apenas isso. Entretanto, a relevância dessa tarefa está no fato de que, quando pessoas alfabetizadas são apresentadas a palavras, sua tendência é ler o que está escrito. Assim, essa tarefa exige que o impulso de ler seja controlado e apenas se diga a cor. Por exemplo, se o cartão apresentar a palavra CAMISA, o participante deve dizer apenas “vermelho”. Se apresentar a palavra VERDE, também deverá dizer “vermelho”. Observe que neste último caso, é um pouco mais difícil controlar o impulso de ler, porque a palavra apresentada também é um nome de uma cor. Em resumo, da forma como foi desenhado, o teste de Stroop cria condições que permitem aos pesquisadores medir nossa capacidade de (1) manter o foco da atenção à medida que os cartões são apresentados em sequência e de (2) controlar nosso impulso de ler a palavra. Apoiando-se em achados prévios, os pesquisadores assumiram que esse teste seria útil para medir o impacto do treinamento intenso durante o retiro, pois parece haver uma correlação positiva entre a habilidade de controlar o impulso de ler e a capacidade de ficar no momento presente, silenciando o fluxo do pensamento.

 

E o que os eles observaram?

Em primeiro lugar, eles confirmaram achados de estudos anteriores, identificando basicamente as mesmas áreas cerebrais responsáveis pelos processos atencionais. Além disso, observaram que, após o sesshin, os processos atencionais se tornavam mais eficientes nos dois grupos (meditadores e não meditadores), pois em ambos era necessária uma menor ativação cerebral dessas áreas para realizar a mesma tarefa após o retiro.

Comparando os dois grupos, observaram que, antes do retiro, meditadores pareciam ter processos atencionais mais eficientes que não meditadores. E depois do retiro, os não meditadores haviam chegado a uma condição semelhante à dos meditadores antes do retiro. Isso provavelmente refletia o efeito da prática intensa durante o sesshin transformando seus processos atencionais, fazendo com que se aproximassem do desempenho daqueles que já tinham experiência mais sólida com meditação.

O achado mais curioso de todos, porém, foi a observação de aumento da ativação cerebral dos sistemas atencionais em meditadores após o retiro quando comparados aos não meditadores. Esse padrão de ativação era semelhante ao dos não meditadores antes do retiro. À primeira vista, isso poderia parecer um sinal de piora da eficiência dos processos atencionais, o que seria no mínimo um resultado paradoxal. Entretanto, considerando que a análise isolada do grupo de meditadores também demonstrou o aumento de eficiência desses sistemas, esse achado talvez seja o correlato cerebral de uma experiência ainda mais relevante: a percepção mais aguçada do momento presente frequentemente relatada pelos praticantes mais experientes após um sesshin.

 

Texto de Dr. Gutemberg Guerra. Neurologista. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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