Entrevista com a Monja Jōren Sobre Ōryōki

Nesta edição tivemos o prazer em entrevistar a monja Jōren, que compartilhou conosco a importância da prática por meio da utilização do ōryōki, o conjunto de tigelas utilizadas em mosteiros zen budistas para refeições e também em refeições realizadas em grupo na sangha, como sesshins e zazenkais.

Ao final, Jōren san nos presenteia com dois vídeos, nos quais ensina a manusear o ōryōki.

 

O que é e qual a importância do ōryōki?

Monja Jōren: O ōryōki é um conjunto de tigelas usadas tradicionalmente nas refeições feitas em monastérios Zen e também em sesshins (retiros). Essa é uma maneira de realizar as refeições de forma ritualizada e em conjunto com a sangha. Isso significa que temos a oportunidade de apreciar cada pequeno detalhe da refeição, desde o preparo das tigelas para o recebimento dos alimentos, o serviço, onde outras pessoas vêm nos oferecer os alimentos (função chamada de jōnin), a alimentação em si, a limpeza das tigelas e a doação final da água usada para limpá-las.

Tudo acontece de maneira sincronizada, então, abrimos juntos as tigelas, recebemos os alimentos e somente após todos serem servidos iniciamos a refeição, que acontece no tempo do Sensei, ou seja, organizamos nosso tempo para começarmos e terminarmos a refeição juntos. Todos funcionam como um grupo harmônico. Além disso, nenhum alimento é desperdiçado, cada pequeno grão é consumido e ao fim limpamos as tigelas com água quente, bebemos alguns goles dessa mesma água e oferecemos o restante para a natureza, regando plantas, por exemplo. Nada é desperdiçado.

 

Quais os itens compõem o conjunto de ōryōki?

Monja Jōren: Basicamente o ōryōki possui: pano para embrulhar, guardanapo de pano, pano para limpar, três ou mais tigelas para receber os alimentos e utensílios para comer: colher e hashi. O conjunto pode conter também o setsu, que é usado para limpar as tigelas.

O ōryōki é utilizado em sesshin, poderia nos contar quais alimentos são apropriados para essa refeição?

Monja Jōren: Na Daissen utilizamos os conjuntos de ōryōki com três tigelas cada um, o que significa que são três alimentos distintos. Geralmente no café da manhã a primeira tigela, chamada cabeça de Buddha, recebe mingau de aveia, a segunda tigela recebe uma salada de frutas e a terceira chá. Além disso, todos recebem pão para que ao final da refeição consigam limpar as tigelas com ele.

Na cerimônia de refeição do almoço a primeira tigela recebe um carboidrato (geralmente arroz), a segunda uma proteína (feijão, lentilha, soja, etc.) e a terceira salada. Esses alimentos não se misturam, então são provados individualmente e cada sabor se sobressai no paladar.

Além disso, a alimentação é reduzida. Como na maior parte do tempo ficaremos em zazen não há necessidade de manter a mesma quantidade de alimentação da vida cotidiana, então tendemos a comer menos, com mais atenção e sem desperdício.

Tudo isso faz com que esses momentos de refeição sejam momentos de prática ativa, onde embora haja movimento e ação, a mente do zazen ainda está presente e todo o ritual da alimentação ganha uma nova perspectiva.

 

Existem regras para a alimentação no sesshin, zazenkai ou para a utilização do ōryōki? Como quais alimentos podemos ingerir em refeições com ōryōki.

Monja Jōren: Os alimentos ingeridos são os servidos. A única escolha é a respeito da quantidade deles e não dizemos “está comida eu aceito, aquela não aceito”. Tudo é consumido por todos e não há espaço para vontades particulares. A refeição também é uma prática da sangha com ensinamentos contidos em cada gesto, então a atitude é sempre a atitude do grupo, da comunidade. Se o meu colega do lado come, eu como, o próximo também come e assim todos comemos juntos. Fazemos a mesma coisa, ao mesmo tempo.

Naturalmente são evitados alimentos muito temperados, ou que provoquem digestões mais lentas, por isso o cardápio elaborado pelo responsável da cozinha sempre prioriza também a prática do zazen. Comemos alimentos leves e simples, apenas o que precisamos para continuar a prática.

O que significa no Zen a utilização dessas tigelas?

Monja Jōren: Nos tempos de Buddha os monges possuíam poucos objetos e a tigela era um deles, tanto que as ordenações ocorriam com a entrega de um manto e uma tigela, o que é simbolicamente feito até hoje nas cerimônias de Shukke tokudo (ordenação monástica). Essa tigela era o objeto usado na prática de mendicância e com ela os monges recebiam a doação dos alimentos e comiam o que lhes fosse oferecido, sem escolher.

Há uma história famosa de um mestre Zen que recebeu a doação de um leproso, que ao lhe servir deixou cair um polegar na tigela, e o mestre comeu sem pestanejar, sem pensar duas vezes, apenas recebeu agradecido a oferta.

Então, o ōryōki é uma versão aperfeiçoada dessa prática onde não colocamos nossas vontades pessoais, apenas aceitamos o que vier, entendendo e agradecendo pelos enormes esforços feitos para que aquele alimento chegasse até nós.

 

A utilização do ōryōki é um exercício da atenção plena e gratidão?

Monja Jōren: É uma forma de praticar a atenção plena e de compreender que há uma série de eventos necessários para que uma simples ação como colocar um grão de arroz na boca possa acontecer. Aquela comida não aparece magicamente na tigela. Muitas pessoas participaram do processo que levou aquele alimento até nós, alguém plantou, outra pessoa cultivou, outras colheram, limparam, transportaram, ensacaram, venderam, compraram, prepararam e trouxeram até nós. São inumeráveis os esforços feitos para que aquela comida chegasse até a nossa frente e ao fazer a refeição com o ōryōki, de maneira ritualizada, somos convidados a nos atentar para isso e ficarmos gratos por tudo que houve para que esse momento fosse possível.

Então, nada mais é do que enxergar os eventos tais como eles ocorreram, reconhecendo que para cada pequena coisa que acontece, muitas outras vieram antes e há muito esforço em cada pequeno grão.

Podemos dizer que usar o ōryōki corretamente é um treinamento para a vida?

Monja Jōren: Apenas realizar uma refeição com ōryōki pode ser algo bastante significativo para o praticante e ajudar a elucidar muitos dos ensinamentos do zen, basta que esta prática seja vista desta maneira. O ōryōki é mais um meio hábil, mais uma oportunidade de enxergar com clareza os eventos.

É claro que a complexidade do ritual pode ajudar, existe uma sequência correta de gestos para abrir o ōryōki, para usá-lo e para fechá-lo, além disso tudo precisa ser feito em sincronia com todos que estão realizando a refeição. Os vários detalhes contidos na refeição nos empurram para a situação onde a atenção precisa estar presente para que tudo flua. Mas uma vez que seja feita a alimentação com atenção plena e os ensinamentos sejam reconhecidos, todas as refeições podem ser feitas dessa maneira. Não é tão diferente da vida cotidiana.

Também podemos nos esforçar numa refeição comum a não bater os talheres fazendo barulho, a servir aos outros em primeiro lugar e só depois nos servirmos, a comer apenas o necessário, a não desperdiçar e a fazer o melhor uso dos alimentos. As práticas são uma maneira de treinar, mas também são uma maneira de viver a vida.

 

Seguir assista as instruções gravadas, gentilmente, pela monja Jōren.

 

Parte 1 – abrindo o ōryōki:

 

Parte 2 – fechando o ōryōki:

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