Cerâmicas Japonesas

 

Chamamo-nos a atenção a iniciativa do Mosteiro Zen Morro da Vargem, em Ibiraçu – Espírito Santo, (Mosteiro Zen Morro da Vargem). O mosteiro está oferecendo um curso de cerâmica com técnica japonesa por meio da Escola Oficina de Cerâmica Kanzeon. A escola foi idealizada há 12 anos pelo Mestre Daiju Bittu, abade do mosteiro, tendo ao longo desse tempo recebido apoio do Sebrae e das prefeituras dos municípios de Ibiraçu, Aracruz e João Neiva, além das associações locais. O curso tem capacitado mulheres da região por meio do ensino de uma técnica tradicional, altamente apreciada e de grande valor agregado, assim oferece a oportunidade de geração de renda para as famílias. Além disso, se constitui como um importante espaço de troca de saberes entre as comunidades, além de ser um local de terapia e cura a partir da prática do artesanato e da produção de cerâmica. Vale ressaltar que a Escola Oficina de Cerâmica Kanzeon está sob direção artística da renomada ceramista Kimi Nii com o apoio da respeitada ceramista Heloísa Galvão.

As peças produzidas pelas artesãs ficam em exposição na loja de artesanato, que fica ao lado do ateliê durante os fins de semana. Todo o dinheiro arrecadado é igualmente divido entre elas.  Almeja-se em breve a formação de polos de produção de cerâmica nas comunidades da região e a expansão da oferta do curso para outras cidades, ou seja, mais oportunidades de geração de renda para as famílias locais, melhoria da qualidade de vida e empoderamento para as mulheres.

 

Um Pouco da História da Cerâmica Japonesa

 O Japão possui uma longa história na arte da produção de cerâmica. As primeiras peças conhecidas foram as cerâmicas Jomon, que sugiram há cerca de 16.000 anos. A cerâmica japonesa refere-se tanto ao artesanato de cerâmica de barro quanto à cerâmica de porcelana feita de caulinite, que parece mais branca e mais fina, com maior densidade e dureza. Basicamente, as peças são feitas a partir da argila que é amassada e moldada e em seguida é queimada no fogo para torná-la sólida e duradoura. Esse processo apresenta, contudo, diferentes nuances, que vão desde o tipo e composição da argila utilizada como matéria prima, até os conhecimentos, as técnicas, o senso estético e os valores agregados à cada tradição local.

Cada uma das 47 prefeituras do Japão produz atualmente cerâmica de forma única e de acordo com um estilo próprio. Por esta razão, a cerâmica japonesa é nomeada de acordo com seus locais de origem. As três variedades mais famosas são a cerâmica Imari (ou Arita), da Província de Saga; a cerâmica Mino, da Província de Gifu e a cerâmica Seto, da Província de Aichi (Yaki). Os diferentes e variados estilos são denominados de Rokkoyo, ou os seis fornos antigos, as olarias antigas que se desenvolveram exclusivamente no Japão desde a época dos utensílios de barro não vitrificados, cuja produção se iniciou na Idade Média e continua até os dias de hoje. São elas: Seto-yakiTokoname-yakiEchizen-yakiShigaraki-yakiTamba-Tachikui-yaki e Bizen-yaki. Essas olarias distinguem-se das demais que surgiram a partir da idade moderna, que se desenvolveram sob a influência das técnicas trazidas por artesãos da China e da península coreana.

 

Influências do Budismo e a Cerimônia do Chá

 A influência do Budismo durante o conturbado período Sengoku (1467-1573) disseminou a preferência pelas tigelas de terracota básica em detrimento da porcelana chinesa bem mais decorada e pretensamente sofisticada. Os mestres de cerimônias de chá tinham um gosto particular pelo trabalho artesanal das tigelas ásperas e não esmaltadas, como os utensílios em cerâmica Raku. Por volta da mesma época, a descoberta próximo de Arita, em Kyushu, da argila apropriada ao processo de elaboração da porcelana, resultou na produção da primeira porcelana japonesa. A descoberta foi um divisor de águas na arte, que se ramificou em duas direções principais: de um lado o trabalho com características mais rústicas de ceramistas que buscavam a simplicidade e davam espaço para a assimetria em suas peças, inspirados na noção de wabi-sabi; do outro, o trabalho delicado e as formas e cores perfeitas produzidas com a porcelana fina.

A noção de wabi-sabi pode ser talvez descrita como uma espécie de sentimento, e é bastante presente e difusa na cultura japonesa de modo geral. Suas origens remetem a história do monge Zen da escola Rinzai Sen No Rikyū (1522-1591), ou Sōeki, responsável por estabelecer alguns dos aspectos centrais da cerimônia do chá, como a simplicidade, a retidão e a honestidade no comportamento, na fala e nos gestos. De acordo com as antigas histórias, o jovem Rikyū, ansioso por aprender os códigos do ritual ancestral da cerimônia do chá, foi procurar o grande mestre de chá Takeno Jōō (1502-1555). O mestre, no intuito de testar as habilidades do novo aprendiz, pediu a este para cuidar do jardim do templo. Rikyū limpou e varreu toda a área com um enorme cuidado e máxima perfeição, porém, antes de apresentar o trabalho ao mestre, sacudiu uma árvore de cerejeira, fazendo com que as flores se soltassem e espalhassem pelo chão ao redor. Esse toque de imperfeição trouxe uma beleza peculiar e sublime ao ambiente.

Até hoje muitos estilos de cerâmica japonesa carregam esta marca, caracterizados por suas peças distorcidas e irregulares, oriundas das vicissitudes do processo artesanal, corporificando assim a aceitação da imprevisibilidade e impermanência do cosmos. Cada objeto é nesse sentido único e possui sua própria beleza, expressando uma relação idiossincrática entre o artesão, sua prática e o universo.

 

Alguns ceramistas renomados

 No Japão, podemos citar brevemente aqui as obras dos ceramistas Shoji Hamada e Kanjiro Kawai, representantes do artesanato popular, que exalta a beleza na própria utilidade das peças. Há também artistas que realizam seus trabalhos colocando a tradição japonesa em diálogo com um contexto internacionalizado, como Taizo Kuroda, Koichi Uchida e Masanobu Ando.

No Brasil, temos atualmente a já mencionada Kimi Nii, que se dedica à cerâmica de alta temperatura (1300º), desenvolvendo esculturas e objetos utilitários em seu próprio atelier localizado no bairro do Butantã, em São Paulo. Outro importante nome que influenciou muitos ceramistas no país é o de Toshiko Ishii (1911-2007), japonesa naturalizada brasileira que chegou ao Brasil em 1931, estabelecendo em Minas Gerais na região de Brumadinho em 1970, onde começou sua produção de cerâmica. Seu trabalho derivava do estilo japonês Bizen.  Por último, mas não menos importante, é o trabalho de Shoko Suzuki, que trouxe a tradição medieval do forno noborigama do Japão para o Brasil nos anos 1960, atraída por imagens de TV da recém-inaugurada cidade de Brasília.

 

Texto de Guilherme Henriques Soares. Antropólogo. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

Pesquisa realizada por Martha Benites. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Fontes:

https://globoplay.globo.com/v/9663541/

https://www.clubedochaecia.com/post/9-estilos-mais-not%C3%A1veis-da-cer%C3%A2mica-japonesa

Escola de Cerâmica em Ibiraçu – Folha do Litoral (folhalitoral.com.br)

What is Wabi Sabi? The Elusive Beauty of Imperfection (japanobjects.com)

A cerâmica japonesa | STORIES | JAPAN HOUSE

Cerâmica | Viagem ao Japão | JNTO (japan.travel)

https://revistaregional.com.br/site/2012/08/22/a-arte-da-ceramica-japonesa/

https://pt.wikipedia.org/wiki/Toshiko_Ishii

https://casaclaudia.abril.com.br/moveis-acessorios/a-ceramista-japonesa-shoko-suzuki-e-pecas-feitas-em-forno-medieval/

Sen no Rikyū – Wikipedia

Período Sengoku – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)

 

 

 

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