Entrevista com Monge Chimon – Ordenação Monástica

 

Apresentamos na edição anterior as entrevistas realizadas com dois dos quatro monges ordenados no mês de outubro na comunidade Zen budista Daissen Ji – em Florianópolis, e seguimos com as entrevistas com monges noviços.

A seguir, apresentamos a entrevista concedida, gentilmente, pelo monge Chimon, cuja trajetória de busca espiritual o levou da tradição Hare Krishna ao Budismo. Estudou e praticou no Budismo Tibetano, sendo orientado pelo Lama Padme Samten e depois de um longo caminho encontrou-se no Zen Budismo. Iniciou sua prática junto à Daissen, tendo como professor Monge Genshô Sensei. Na ocasião de seu ingresso na comunidade, Chimon san auxiliou na organização da então recém sangha Daissen, de João Pessoa.

Conversamos sobre sua história de busca espiritual, sua prática, as diferenças entre as tradições em que esteve e sobre o caminho monástico. Ainda nos deixa uma linda mensagem aos praticantes iniciantes.

 

 Poderia nos contar sobre a sua trajetória no Budismo?

Monge Chimon: O Budismo é um divisor, eu tive já uma prática religiosa anterior no movimento Hare Krishna e foram em torno de vinte seis anos de prática dentro do movimento, e quando me afastei, entrei em contato primeiro com o Budismo Tibetano através dos CEBB, orientado pelo Lama Samten, mas foi uma relação muito “parcial”, vamos dizer assim, visitava aos final de semana, mas como já tinha algumas leituras acumuladas em torno do Budismo, de certa forma, me familiarizei rápido com a prática no Budismo Tibetano, muito rapidamente.

Em 2017, quando, aqui na sangha de João Pessoa, começou a experiência com o Budismo Zen. O Monge Taishin, ele nem era monge ainda, mas ele estava já organizando a sangha; ele e o Iuri, ele se chamava Ivonaldo na época, e estavam organizando a sangha e foi quando eu me aproximei. Então desde 2017 estou em contato com a sangha, e para mim serviu como um porto, vamos dizer. A experiência com as sanghas da Daissen me serviu como porto, porque como eu havia feito a transição do movimento Hare Krishna, depois para o Tibetano, então eu senti que estava ajustado, vamos dizer assim, me sentindo muito familiarizado e tranquilo em relação a prática que a Daissen orientava, então a coisa andou.

No primeiro momento nunca pensei que seria monge, isso não passava pela minha cabeça. Por conta da experiência com outras comunidades, com outras sanghas, então a minha ideia era apenas que lidávamos com administração, com a parte de organização da sangha mesmo, do local aqui em João Pessoa, mas isso foi se construindo naturalmente dentro do processo. Foi construindo naturalmente através dos cursos de formação, o CED foi importante para isso, me levou a refletir que eu precisava fazer um pouco mais nessa imersão na minha prática espiritual e que não bastava ficar somente dentro da sangha e em casa, então houve uma crescente interna, uma vontade interna, que de uma certa forma já me orientou de quem sabe, isso seria uma opção.

Agora vou dizer outra coisa: eu sempre tive essa inquietação, acho que eu nunca fiz nenhuma experiência de forma muito superficial, de ficar somente no “chove e não molha”, aquela experiência de trivialidade, não dá! Acho que temos que fazer de todas as nossas experiências, experiências profundas, e elas precisam marcar nossa interioridade, precisam marcar nossa mente, quando elas viram lugar comum nos tornamos negligente, nos tornamos irresponsável, precisamos manter uma certa atenção, uma certa atenção mais ativa e isso se dá quando você faz com certa profundidade, porque se tem mais riscos, tem mais responsabilidades, tem mais exigências, então você tem que se manter muito mais atento; eu diria que a ideia de me tornar monge tinha muito de aprofundar essa responsabilidade. Essa responsabilidade que é com a sangha, que é com ajuda que podemos dar a comunidade, mas é também responsabilidade com a nossa própria prática, com a nossa própria transformação; isso para mim era fundamental e isso foi ficando cada vez mais claro.

Eu precisava fazer isso, surgiu essa necessidade interna. Eu me lembro que quando conheci a Monja Sodô, e foi por meio dela e da sangha virtual, eu acho que fui um dos iniciantes da sangha virtual, e a primeira coisa que ela me perguntou foi: “você vai ser monge? ”. E eu disse: “eu não sei”. Assim, uma coisa que dado as circunstâncias, a forma como eu estava me envolvendo, senti que foi natural esse processo, foi completamente natural.

O que levou o senhor ao caminho monástico e o porquê alguém se torna monge?

Monge Chimon: Acho que temos responsabilidades, a responsabilidade é intrínseca da natureza de quem quer realmente fazer uma transformação interna, e essa responsabilidade dentro da tradição budista que é muito clara, os bodisatvas são exatamente o símbolo dessa grande virada interna de quem olha o mundo e sofre com o mundo e sente o mundo sofrendo também.

Então os bodisatvas tem essa preocupação, eu diria que tem um porquê dessa visão de que esse caminho não é um caminho só meu porque o sofrimento não é só meu, o sofrimento não é somente das minhas próprias limitações, esse caminho tem uma responsabilidade com os outros, tem uma responsabilidade, e recitamos isso constantemente nos votos do bodisatva. E é bom essas recitações porque elas nos lembram isso, nos lembram que essa interconexão, que nós temos com todos os seres, precisa se concretizar, tem que ter gestos, precisam ganhar corpo para que façamos a imersão de forma completa, não somente do ponto de vista mental, mas que corpo e mente estejam completamente integrados, então corpo precisa atuar junto com a mente nessa relação com transformar todos os seres, de ajudar todos os seres, e ajudar a si mesmo nesse processo.

Assim eu diria que tem muito essa marca do porquê de querer ser monge, porque acho que não faria sentido outra coisa, não faria sentido por outro motivo, por outra razão.

E qual o significado da ordenação monástica na sua escola Soto Zen, e para o senhor?

Monge Chimon: Essa é a fase inicial na verdade, hoje sou monge noviço. E como monge noviço vou aprender todo processo; dentro da Soto Zen essa fase é uma fase em que os monges precisam ralar muito! Ouvir muito, falar pouco como diz Sensei “muito silente” e aprender mesmo, é uma fase de muito aprendizado e você só aprende nesse processo, na verdade, silenciando um pouco mais; tendo menos opiniões; tendo muito mais atenção aquilo que está sendo orientado, sendo instruído.

Essa fase inicial que é a shukke tokudo é em que aprendemos, na verdade, estamos dependendo da sangha, inclusive, para esse aprendizado. Claro, temos a orientação do Sensei que é nosso mestre espiritual dentro do processo todo, mas aprendemos com todos, na verdade, com a sangha também.

A ordenação representa uma mudança na prioridade de vida do novo monge?

Monge Chimon: Acho que é. Tem mudanças sim, primeiro porque você de uma certa forma na condição de monge, você atrai os olhares das pessoas de forma diferente para você. Então isso, de antemão, já o coloco numa posição em que precisa realmente modificar determinados comportamentos, porque estará sob julgamento, estará sendo olhado. Sim, mudanças são inevitáveis no processo e você terá que ter um equilíbrio para fazer essa busca, essa transformação interna, mas também dentro dos códigos e das relações éticas, que de uma certa forma a sociedade exige de um monge.

O que representa para um monge o ato de raspar os cabelos e a barba?

Monge Chimon: Tem um sentido de renúncia, mas eu diria que tem mais! Sentido de entrega mesmo. Toda tradição budista, a tradição Zen, dentro do monasticismo foi feito isso como expressão dessa entrega, como expressão dessa renúncia. Monge na verdade significa aquele que se isola, aquele que se afasta do lar, aquele que deixa o lar e quando ele deixa o lar, ele renuncia o lar, ele renuncia, de certa forma, “as influências, as experiências”, as “experiências mundanas” nos propõe e ao mesmo tempo nos orienta a uma entrega à prática do Buda, à prática dos ensinamentos do Buda. É tanto que quando se raspa a shura, que é o último pedacinho de cabelo que tem na cabeça, que o Sensei que o raspa, ele o faz representando Buda, faz aquele ato representando Buda, pois só um Buda pode removê-lo. Então é como se dissesse: “olha, a partir de agora você é um Buda infante, uma criança Buda, ou seja, você vai aprender a ser Buda”. Então o Buda raspa a cabeça.

Tem um significado muito importante e de um compromisso, de selar um compromisso, na verdade, com todos os ensinamentos budistas. Não somente a renúncia! A vaidade, inclusive, para as mulheres que é muito mais exigido, de uma certa forma, isso. Raspar cabeça é sempre muito constrangedor, parece muito constrangedor, mas é um pouco isso mesmo, precisamos dar esses passos e internamente modificar nossas visões. Eu acho que tem esse significado para mim, pelo menos para mim é assim. Talvez outros monges tenham outras respostas, mas isso é o que de uma certa forma me toca internamente.

Poderia nos contar quais são as diferenças, observados pelo senhor, de todas as tradições em que esteve, das mencionadas no início, como Hare Krishna, por exemplo?

Monge Chimon: Tem sim! Por exemplo: a grande marca que diferencia é que a tradição védica, que o movimento Hare Krishna se orienta, é personalista e tem uma ideia de Deus como pessoa, ele cria a ideia de Deus. Então é um movimento teísta, absolutamente teísta. O Budismo não é teísta e isso faz uma diferença gigantesca, porque doutrinariamente muda completamente o foco. O movimento Hare Krishna é muito devocional e devocional muitas vezes traduzido de forma abrangente como amor, como troca de afeição. O amor é um pouco isso também, essa troca de afeição e você só pode trocar isso com pessoas. Então Deus dentro da tradição védica precisa ser uma pessoa para que possa ser reciproco esses sentimentos de amor, de afeição e isso é uma coisa muito característica da tradição especifica do movimento Hare Krishna, que está dentro de uma escola chamada Vaishnava.

Mas no Budismo isso diferencia completamente, a própria figura do Buda aparece mais para nós como um ideal de realização do que propriamente como uma pessoa é, alguém que vamos nos relacionar, trocar afeição, trocar sentimentos. Não é isso! Nos Dez Passos do Boi que tantos estudam dentro da tradição, começamos a experimentar a natureza de nossa mente e a grosso modo essa natureza é completamente sem características, então não tem pessoa sustentando essa verdadeira mente que nós temos. Nós mesmos não representamos a mente que se revela para nós, nosso ego não é capaz de comportar, para acessar, às vezes, precisamos até abrir mão da própria identidade. Então assim, é muito diferente! Eu diria que é muito diferente.

No entanto, são ensinamentos próprios de cada tradição, na tradição Hare Krishna se fala de se perder dentro de uma relação, assim como nos perdemos numa relação de amor por uma outra pessoa, nem mais nos reconhecemos, mas continua presente a ideia de uma pessoa que está separada, fora de mim. Na tradição do Budismo não existe isso, a ideia é que eu não me separo absolutamente e se eu existo é numa interdependência total.

São características muito interessantes, e o Budismo, com suas Três Marcas da Existência, eu diria a impermanência como uma grande marca do Budismo. O Budismo tem filosoficamente uma boa argumentação sobre a impermanência, não é somente a verificação, existe um arcabouço conceitual muito forte sobre impermanência. A dimensão de Anatta, de não existir um “eu” inerente em cada coisa, em cada ser, em cada manifestação, isso é uma característica muito própria também do Budismo. Então se formos ver essas diferenças são muito evidentes, você não vai encontrar esse tipo de discussão do Budismo ou de apontamento do Budismo em outras tradições.

O senhor poderia deixar uma mensagem para aqueles que estão iniciando no caminho?

Monge Chimon: Eu lembro de uma citação que até já fiz outras vezes, é que na história do momento do Paranirvana do Buda, ou seja, a morte do Buda, perguntam a ele exatamente essa pergunta que você fez, qual mensagem, o que Buda daria como a última mensagem e ele diz assim: “Sidarta veio ao mundo, não foi o Buda que veio”. E isso para mim é um indicativo que precisamos observar o mundo em que estamos nos manifestando para entender o quanto é importante o momento de estarmos aqui e agora.

Se percebermos a importância do estar aqui e agora vamos ver que não somente Sidarta veio ao mundo, Buda também veio e isso também tem um sentido, profundo porque esse Buda que se manifestara através de cada pessoa primeiro se manifesta como essa pessoa que está aqui, suas limitações e que certamente vai morrer, que tem suas próprias aflições mentais. Todos os Budas foram Budas a partir de condições muito idênticas as nossas, eles não deferiram em nada, absolutamente. Então assim, nós temos um longo caminho para fazer, podemos fazer reconhecendo primeiro que estamos aqui assim como Sidarta esteve, então é o nosso ponto de partida.

 

Entrevista realizada por Lenemar Nascimento Pedroso. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Para ler as entrevistas com os demais monges, acesse a coluna Vida Monástica. Clique AQUI

 

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