A superfície das águas, sempre em movimento; mares, lagos, rios, riachos. Um monte de gente jogando pedras e rochas deslizam; o vento sopra e as ondas surgem. Águas turvas, nos comprazemos em sua superfície. Para ver o fundo das águas, para ver o lodo e os bichinhos estranhos e as mesmas pedras que estávamos jogando; para ver mais fundo. Para ver a lua refletida nas águas. Nos levantamos, e é muito mais fácil reaparecer o turbilhão na superfície. Sem problema: com problemas, nos sentamos mais e mais, sempre dando um passo além da nossa linha de chegada.
Quanto mais praticamos intensamente, no ritmo do sesshin, mais vamos “fundo”. É comum, que num zazenkai, que é um dia só de prática, “à la” sesshin, muita gente tenha essa experiência de mergulhar – alguns parecem um salto olímpico, de tão intenso – para então encontrar-se no turbilhão das águas cotidianas e retornar rapidamente ao mesmo ritmo. Também é comum, contudo, que num sesshin, com o passar dos dias, esse retorno ao turbilhão fique cada vez mais distante. Não nos surpreende, já que criamos e mantemos um ambiente especial, em vários sentidos desta palavra, de um maior período possível de prática exclusiva e intensiva do shikantaza – o que talvez seja um pouquinho difícil de fazer em outros momentos.
Da parte da organização do evento, encontrar e arrumar um bom lugar que comporte todos os participantes. Distribuir os cargos: a cozinha é um dos lugares mais importantes. Imagine cozinhar, e comida boa e saudável, para muitas pessoas que vão passar um bom de tempo no? Não é à toa que o tenzo é um/a mestre na cozinha.
Da parte de quem participa, o sesshin não exige, em si, nenhuma preparação especial. Há várias dicas e sugestões, porém, que são muito úteis, a depender das dificuldades que encontramos. Uma é ir reduzindo e diminuindo, aos poucos, várias atividades alguns dias ou semanas antes de um sesshin; atividades muito estimulantes da nossa mente-corpo como assistir a filmes ou séries, leituras e músicas; simplificar a alimentação e evitar comida muito pesada e temperada; começar a dormir e acordar mais cedo, isso nos ajuda a evitar o choque que podemos levar, e nos incorporar na rotina com mais suavidade. Tal choque, porém, pode ser um bom companheiro em alguns momentos.
É sempre bom já ter experimentado, por si mesmo, o que é um sesshin – ou um zazenkai, por exemplo – para participar de outros, por vários motivos. Não deixe de ir em um, porém, quando a vontade e oportunidade surgirem, independente da quantidade de dias e dos receios que possam aparecer. Quanto aos últimos, e quaisquer dúvidas, lembre-se de olhar para os outros colegas e fazer como estão/estamos todos fazendo.
O sesshin se passa quase todo dentro do zendô – a sala de meditação. A prática principal é o zazen, o shikantaza. As demais práticas acompanham a rotina de zazen. Isso não significa que ficamos sentados o tempo todo. Tem pausa para ir no banheiro e até mesmo para tomar um cafezinho (ou cházinho), que são preparados e mandados pelo pessoal da cozinha. Porém, quase todas as atividades giram em torno do zazen: até mesmo as refeições principais são feitas dentro do zendô, no mesmo lugar onde sentamos, como numa cerimônia – e cerimônias, recitação de sutras, a conversa particular com Sensei (dokusan), a limpeza do lugar, etc. Tudo isso faz parte de um dia no sesshin.
O rohatsu sesshin também é um retiro de silêncio, embora percebamos com o nosso tempo de prática, com os sesshins idos e vindos, que uns são mais quietinhos, e outros menos. A orientação geral num sesshin é de que evitemos até mesmo olhar nos olhos dos outros. Qualquer forma de interação, mesmo que cordial, que não seja necessária, é desestimulada. Não é preciso ser amável com ninguém. Ser cordial, num momento como esse, é soprar mais ondas nas águas da nossa cabeça. Diria até que todo mundo, já no primeiro ou segundo dia, vai perceber por si mesmo o porquê do silêncio ser tão importante.
Texto de Lucas Seigaku. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.