Os Doze Elos da Originação Dependente – Quarto Elo

 

NAMA-RUPA

Mentalidade – Materialidade

 

O termo Nama-Rupa é usado no budismo para se referir aos processos constitutivos do ser humano: Nama refere-se aos nomes e rupa as formas.  Esse nome tem origem num composto sânscrito e pali, sendo considerado um dvanva, ou seja, múltiplos substantivos individuais são concatenados para formar uma nova palavra com um corpo semântico distinto.  Dessa forma nesse dvanva a combinação transcende os aspectos distintos do par nome forma e expressa a maneira como a materialidade e a mentalidade funcionam numa dinâmica de retroalimentação entre as duas expressões.  Assim, nem nama nem rupa têm poder eficiente isoladamente.  Um depende do outro; um sustenta outro.  Mente e matéria surgem devido a condições e perecem imediatamente e incessantemente em nossas vidas.

Quando entramos no quarto elo do ciclo da originação dependente, já temos as três marcas sutis operando: Avidya, Samskara e Vijnana. Surgimos com uma identidade, mas ainda não temos materialidade.  De forma inconsciente percebemos que certos objetos movimentam energia atraindo e outros objetos não têm esse poder de atração e movimentação de energia. Além disso, também de forma sutil, percebemos que esses objetos, além de movimentar energia, têm o poder de sustentá-la e sustentar os estados mentais internos e específicos que foram desencadeados por esse processo.  Em Nama-Rupa, no quarto elo, apesar de ainda não termos o objeto começamos a desejá-lo.  Na Roda da Vida é representado por um barqueiro vagueando em um rio com a aspiração de chegar a um objeto específico para justificar um estado mental específico.

Para que se entenda esse aspecto de Nama-Rupa é preciso dizer que o terceiro e quarto elo devem ser explicados juntos.  Em Vijnana, temos experiências de energia, no terceiro elo a mente, livre dos sentidos físicos, é uma mente que se assemelha ao sonho.  Os elos que precedem os sentidos físicos, por se localizarem numa categoria pré-verbal, são entendidos como etapas de sonhos.  Nesse momento, alguns desses objetos imaginados ou sonhados, podem produzir em nós embriões das emoções, mesmo sem serem emoções que geram apegos, são embriões que emanam um determinado brilho criando uma sensação de que existimos.  Contudo, esse processo gera uma dimensão sutil de apego, sutil porque ainda não termos o objeto concreto nesse nível, é um apego a sonhos, visões, impressões e a todas as estruturas flutuantes na substância mental.  Como consequência a esses apegos sutis, surge a aspiração de se ter um meio de estabilizar a energia que sustenta esse sonho.  No terceiro elo temos as experiências de energia e queremos que elas retornem e apareçam, é nesse momento quando surge o quarto elo.  Na aspiração de encontrar algo que estabilize nossa energia serão produzidos os sentidos físicos, mas aqui em Nama-Rupa ainda não, o quarto elo é apenas uma ponte ligando o mundo abstrato e o mundo concreto. Assim, a ponte que conecta esses dois mundos é o ponto a partir do qual o discurso mental se instala, criando a dualidade do sujeito e objeto através da linguagem.  Os três primeiros elos são considerados pré-verbais.  Nesse momento, como recurso para justificar a sustentação de energia gerada pela atração a um objeto específico, se dará início a uma formulação mental, onde paisagens linguísticas farão a descrição verbal do mundo e associada à própria materialidade desse mundo, poderão sustentar a energia interna do sujeito e por consequência manter a tendência dual em operação.

O aspecto mais interessante e bonito do elo que expressa mentalidade-materialidade é encontrado no Zen, onde as abordagens dos dois lados existem simultaneamente.  Sentamo-nos em zazen para pacificar a mente, mas nos sentamos com uma forma, forma essa altamente equilibrada, simétrica, apoiada e sólida.  Fazemos um mudra como o de Buda, nos apoiamos em três pontos no chão, de maneira que ficamos solidamente estáveis; isso é forma, materialidade, rupa.  Ao deixarmos a coluna ereta influenciamos nossa mente e ela se modifica; isso é nome, nama.  Os mestres sabem que existe um sentido na forma e a forma é praticada para mudar a mente.  Quando se vai ao zendô é para treinar a forma, é para ver o quanto se está atento, pois uma mente atenta não é uma mente distraída e perdida.  Da mesma forma, uma mente atenta expressa sua pacificação em todas as suas formas de expressão.  Os mestres de todas as artes Zen nos ensinam que encontramos a total expressão da mente na forma, e o efeito da forma na mente; cada gesto, cada sopro, cada imagem é puro reflexo de nossa mente, sendo a atenção plena a técnica que molda a excelência em todas as artes Zen. Podemos verificar Nama-Rupa em vários aspectos do Zen, partindo da sua prática básica que é o zazen, atravessando as formas ritualísticas nos cerimoniais, nas expressões gráficas e poéticas, como também nos simples comportamentos, onde a atenção plena é a ponte que esculpe as formas dos hábitos cotidianos quer seja na fala, nos pensamentos ou nas ações.  É no zazen, na prática direta, que é possível verificar por experiência a mentalidade e a materialidade emergirem juntas.

 

Texto de Danielle Kreling. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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