Por Trás de um Grão de Arroz

Iniciamos um espaço para conversarmos sobre a alimentação dentro da perspectiva budista, porém, antes disso, precisamos revisar a importância das cerimônias e alguns de seus significados. Por exemplo, quando recitamos os refúgios, devemos ter um sentimento de gratidão por essas três joias: o Buda, um ideal, um homem que conseguiu se elevar por seus próprios meios; o Dharma, o ensinamento, a lei e a sabedoria; a Sangha, que em contraposição em levantar-me por meus próprios meios, significa que na verdade a evidência de que necessitamos muito uns dos outros. Sem as três joias a prática seria impossível. Dificilmente nos sentaríamos para praticar por tanto tempo sozinhos, fazemos isso porque existe uma estrutura a nos apoiar e conduzir. Todos nós, unidos, temos uma força que é maior que a força individual de cada um. Isso serve para todos, inclusive monges e professores, não sentaríamos tanto tempo se não estivesse com a comunidade, nossa prática é sustentada pelas outras pessoas.

Há também na cerimônia um momento muito importante de gratidão e reverência que é quando recitamos os nomes dos patriarcas e ancestrais desde Shakyamuni Buda até o momento presente, ou então até os cinquenta e sete primeiros, terminando em Keizan Jōkin Daioshō, que foi o grande organizador da Sōtō Zen. Foi ele quem adaptou o Zen à cultura japonesa e também trouxe muitos monges de outras ordens para a Sōtō Zen.

Outro momento importante são as refeições com ōryōki que realizamos nos dias de sesshin. Esse tipo de refeição formal e cerimoniosa está cheio de agradecimentos. Agradecemos todos os esforços que fizeram com que o alimento chegasse até nossa mesa. A cada vez que um jōnin, a pessoa que nos serve, vem à nossa frente, devemos fazer gasshō. Mas esse gesto de gasshō não deve ser vazio, pois o jōnin é o último elo de uma imensa corrente que trouxe o alimento até nossa tigela. Se formos regredindo a partir do jōnin poderemos chegar até um homem no mar explorando gás, que pode ser o mesmo gás que ajudou a fazer a comida que comemos.

No campo também estão envolvidos os animais de tração, os agricultores e até mesmo as minhocas que revolvem a terra. De uma maneira ainda mais abrangente temos todas as plantas do planeta que produzem o oxigênio, sem o qual o fogo não seria possível. Engenheiros, agricultores, mecânicos, produtores, transportadores, vendedores e carregadores, todos estão envolvidos na produção desse alimento, então, em cada grão de arroz há sofrimento, dedicação, esforço, lágrimas e morte. Mesmo nossa comida sendo vegana nós matamos para comer, pois aramos o solo, derrubamos florestas para abrir campos de cultivo, nada do que está em nossa frente para comermos é inocente, tudo tem sofrimento e dor envolvidos. Por isso não jogamos fora nem um grão de arroz, raspamos a tigela com pão, lavamos com água quente e a bebemos.

As pessoas que comem sem pensar sobre tudo isso estão perdendo seu próprio elo com a natureza. Nossas vidas humanas são extremamente preciosas. Todos aqueles que fazem grandes esforços para participar de um sesshin, por exemplo. em um nível mais profundo, construíram karma durante milhões de anos para estarem sentados naquele sesshin. Muitas vezes desperdiçamos tolamente nossas vidas sem prestar atenção a tudo que esteve atrás de nós, toda dor e sofrimento que nos possibilita estarmos em pé. Devemos lembrar, todas as vezes que fazemos prostrações, estamos agradecendo a Buda, aos ancestrais e a todos os seres por estarmos aqui tendo a oportunidade de praticar e despertar, pela oportunidade de sermos felizes, pois a felicidade está disponível. Não somos felizes pois construirmos infelicidade com nossa cegueira e por não enxergarmos tudo que existe por trás de um grão de arroz.

 

Disponível em https://opicodamontanha.blogspot.com/2014/04/por-tras-de-um-grao-de-arroz.html

 

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