O Dukkha Coletivo e o Ganho de Todos

 

Se olharmos com profundidade, o Budismo permeia por todos os lugares, principalmente quando participamos de conversas de grupos que procuram qualidade de vida, em organizar o seu tempo, em se relacionar melhor com seus pares e até mesmo numa melhor produtividade em tempos de economia baseada em conhecimento e criatividade.

Foi em uma das Verdades trazidas por Buddha em sua revelação, dukkha, a insatisfatoriedade da vida ou a “roda sem eixo”, que mais chamou-me a atenção. Para mim foi um fator decisório no questionamento sobre um modelo de trabalho e de relacionamento.

Como profissional de TI há 25 anos, Percebi dukkha em muitos momentos, não aqueles momentos de cansaços cotidianos, que também devem ser observados, pois eles são indicadores de uma necessidade de revisão da maneira como estamos nos comportando no mundo.  Falo de um cansaço existencial, quando nossas entregas de metas, de produtos, de horas exaustas de trabalho, do racional, de estudo não atingem o resultado esperado, ou pelo menos, não são recebidas da forma que esperávamos, algumas vezes sendo até sabotadas por pessoas que ansiávamos receber apoio.

Quem vive no mundo corporativo, e que começou a sair de cadeiras mais técnicas para liderar e inspirar times a dar resultados, confronta essa realidade dura e veloz. É uma realidade que não espera adaptação ao novo cargo de liderança ou que se possa ao menos apresentar ao corpo diretivo um plano onde algumas marcas de quem o fez estejam reveladas. Ela espera que o primeiro gatilho de sobrevivência de nossos pares se acione, dukkha apareça na mesa e assim, a roda do samsara, que vive em nossa mente se acione e saiamos do céu das boas ideias para o inferno do questionamento de nossa capacidade e a efetividade de nossas ações.

Hoje, devido ao grau de dukkha gerado pelo ambiente corporativo, o modelo de gestão passou a ser um material de estudo em graus evolutivos, direcionado a aumentar a produtividade e longevidade de seus colaboradores em ecossistemas, estimulando a sua Felicidade e Qualidade de Vida.

Se colocássemos em uma escala, Felicidade X Modelo de Trabalho, a Gestão 1.0 estaria mais próxima do vértice deste gráfico, pois é o modelo que mais se próxima do “Comando-Controle”, onde aspectos humanos podem ser delegados a segundo plano em detrimento de suas entregas em um modelo pré-estabelecido de metas, sem abertura a discussão deste modelo ou revisão de acordos e a extrema necessidade de controle visual, onde os participantes precisam estar fisicamente em seus postos.

O Modelo 2.0 começa despontar em direção a evolução do gráfico, onde começamos a falar de satisfação no trabalho, mas ainda com aspectos da Gestão 1.0, mas já passa a ser uma revelação da necessidade da convergência de papéis entre pessoa e profissional, divisão tão evidenciada na Gestão 1.0 e que até hoje ainda acreditamos que podemos ser cindidos, que nossa vida pessoal não influencia nas nossas entregas profissionais, e finalmente chegamos na Gestão 3.0, quando começamos a falar de Liderança indiferente de Chefia, de Gestão para a Felicidade, que times devem ser responsáveis e colaboradores do seu modelo e suas métricas, de acordos e modelos de operação.

O importante agora é o jargão tão falado, a entrega de valor, muitas vezes indiferente do horário ou presença global de onde acontece, até por que em tempos de pandemia perdemos as fronteiras geográficas e estendemos os limites dos escritórios. Então, entramos no cenário de franca crise para adeptos da Gestão 1.0, pois as métricas precisam ser mais proeminentes e definidas do que o controle presencial, do famoso “cara-crachá”, olhar empático sobre outros modos de viver e sobre o “sofrimento” do outro, o que faz mais uma vez a gestão 1.0 e seu estímulo a seu modo de entrega se tornar cada vez mais inviável.

A questão de insatisfação com o trabalho é tão pungente que o autor Luciano Santos em “Seja Egoísta com Sua Carreira” traz uma pesquisa que realizou na rede social Linkedin, durante o processo de produção do seu livro onde questionava os participantes da referida rede com a pergunta: “Você é feliz em seu trabalho? ”. Aproximadamente 1.500 pessoas de diversos setores responderam. Constatou-se que em quase 60% deste público a resposta foi “Não”, não eram felizes em seus trabalhos e carreiras desenvolvidas.

Temos um público no Brasil de mais de 100 milhões de trabalhadores ativos. Se fizermos a projeção deste cenário é impossível continuar com a mesma visão, pois estamos falando de mais de 60 milhões de pessoas infelizes ou indiferentes com aquilo que dedicam boa parte do seu dia e de onde tiram seu sustento e que potencial criativo perdemos, que poderia gerar mais inovação e empregos ao menos pudéssemos ofertar um olhar diferente sobre esta parcela que quantificamos tristemente.

Estamos imersos em um momento de crise, indiferente de qual sistema estamos adeptos, precisamos de muita resiliência, olhar empático sobre a cultura do próximo e se estamos chegando e somos responsáveis por gerar a mudança, devemos incluir sempre na medida, duas necessidades: a de saber qual é a nossa colaboração no plano maior, no planejamento estratégico corporativo e como os times dentro de seu universo irão colaborar para este desdobramento e a de como vamos fazer acordos para que aqueles que já estavam no barco possam também ser beneficiados por este sistema no aspecto de reconhecimento, não apenas financeiro, mas no estabelecimento de uma cultura de confiança na prática através de um olhar empático.

Na roda da mudança das vidas o maior aprendizado que temos que praticar é que a resistência a essa variável, “a impermanência do universo”, que tanto estudamos nas instruções para a nossa prática deve permear também a nossa vida corporativa, com isso, exercitamos também o desapego. Compreender que se tomarmos o resultado como TODO meu, estaremos exercitando o apego e a vaidade prejudicial, que nos impedem de crescer e de criar laços reais que nos fazem evoluir.

Portanto, permito-me citar Sensei Genshô, quando sabiamente nos esclarece que Dukkha não é sofrimento, é “insatisfação”. Eu me permito indicar como antídoto para diluir este sentimento “a necessidade de empatia, de olhar com os olhos do outro, principalmente na relação entre líder e liderado e assim pensar na contribuição que irá permear a existência, da grandeza do quanto tocaremos o universo do outro”.

Gasshô!

 

Texto de Melissa Cozono. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Referências:

https://www.daissen.org.br/primeira-nobre-verdade/ https://www.youtube.com/watch?v=28jga0FLYq0 https://www.infoq.com/br/news/2012/08/gestao-1-ainda-entre-nos/ https://www.youtube.com/watch?v=gPUoeB8wrQA

Livro “ Seja Egoísta com a Sua Carreira” – Luciano Santos  – Editora Gente

Livro “O Princípio dos Interesses Coincidentes” – Petrucchio Chalegre – Editora Rima

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