Entrevista com o Monge Yakusan

 

Apresentamos nesta edição a entrevista com o Monge Yakusan, que, com muita gentileza, conversou conosco sobre a vida monástica, a conciliação da vida como monge e seu trabalho como médico da família. Conversamos também sobre saúde mental, a expansão do Budismo nas redes sociais e muito mais.

Monge Yakusan foi ordenado monge da ordem Soto Zen, em maio de 2018, pela Monge Coen Roshi, na comunidade zen budista Via Zen, em Porto Alegre.

O monge é médico, formado na UFRN (em Natal/RN), especialista em Medicina de Família e Comunidade, mestre em Ciências Médico pela PUCRS e doutorando em Ciências da Saúde pela UFCSPA.

Acompanhe conosco a trajetória do monge e conheça mais sobre suas atividades para difusão do Dharma de Buda.

 

O senhor poderia nos contar sobre sua trajetória, como iniciou a prática, como se tornou monge?

Monge Yakusan: Tive contato com o Budismo ainda na infância, com uma vizinha que era da Escola Terra Pura. A minha prática se intensificou há 11 anos, após ter tido outra prática por 15 anos (Kabbalah), quando fiz uma formação para ser instrutor de mindfulness (meditação de atenção plena). Estudando mais a fundo, percebi que as origens do mindfulness veem da meditação Vipassana, do Budismo Theravada, e do zazen. Acabei descobrindo um centro de prática Zen quase do lado de casa, e quando sentei em zazen pela primeira vez, só dizia para mim mesmo: “é isso! ”. E tive a imediata vontade de adentrar à vida monástica. Na época, esse Centro, em Porto Alegre, tinha orientação espiritual de Coen Roshi, a quem já conhecia de algumas matérias, e que conheci pessoalmente poucos dias após iniciar minha prática, em um retiro. A conexão com a mestra foi imediata, e comecei a praticar periodicamente com ela, alternando entre São Paulo e Porto Alegre, e assim fui ordenado noviço e cumpri as práticas e treinamentos para a formação de monge da Ordem Soto.

 

 Como e quando foi sua formação profissional e monástica?

Monge Yakusan: Sou médico pela UFRN (em Natal/RN) desde 2003, especialista em Medicina de Família e Comunidade, mestre em Ciências Médicas (área de atuação Educação) pela PUCRS e doutorando em Ciências da Saúde pela UFCSPA.

Pela Ordem Soto Shu, fui ordenado noviço por Coen Sensei em 2018, fiz meu treinamento e Dharma Combate em 2019, e estou aguardando as recomendações do Japão para concluir a graduação (Zuise e treinamentos adicionais) adiada pela pandemia.

Poderia compartilhar conosco sobre seu trabalho como médico da família e como o Budismo pode influenciar em sua atividade?

Monge Yakusan: Quando me tornei postulante a noviço, muitas pessoas das sanghas me falavam: “como você vai conduzir dois votos ao mesmo tempo, os de médico e os de monge? ”. À medida em que fui estudando o Budismo fui percebendo inúmeras semelhanças entre os preceitos ensinados pelo Buda Shakyamuni e os de Hipócrates. Os votos da Medicina e os preceitos budistas são convergentes em muitos aspectos. No Budismo Mahayana  tomamos para nós os três preceitos puros, originários do Sutra da Rede de Brahma anterior a Shakyamuni Buda, que são: não fazer o mal; fazer o bem e conferir abundantes benefícios a todos os seres. Por outro lado, os princípios bioéticos, diretrizes para as ações dos profissionais da saúde, são: não maleficência, em primeiro lugar; não causar dano (do princípio hipocrático primum non nocere); beneficência, fazer o bem; autonomia e justiça, agir com equidade, ou seja, reconhecendo as diferenças, necessidades e o direito de cada ser.

Como conciliar a vida monástica com o trabalho?

Monge Yakusan: Muita gente me fala que considera muito difícil. Mas não vejo assim. Todos os dias pela manhã, acordo, sento em zazen, faço o ofício matinal, trabalho, sento em zazen nos intervalos, e assim conduzo a vida. Devido à pandemia, estou em casa, não estou em mosteiro, mas descobri que muitos monges no Japão levam vida monástica fora de mosteiros. Todas as atividades ao longo do dia são a prática, vida monástica e trabalho como médico e professor são a prática. Dogen Zenji Sama afirmou que iluminação é a intimidade com todas as coisas, uma outra leitura da primeira frase de Shakyamuni Buda ao obter Anokutara Samyaku Sanbodai (a suprema grande iluminação): “eu e todos os seres juntos com a Grande Mãe Terra simultaneamente nos tornamos o Caminho.” Na Medicina de Família e Comunidade, uma nossas das principais ferramentas de trabalho é o Método Clínico Centrado na Pessoa, onde um de seus componentes é “conhecer a pessoa como um todo”. Conhecer o todo de uma pessoa vai além de ouvir sobre sintomas; implica ouvir sentimentos, ideias, expectativas, medos, dores. Ouvir sobre o físico, emocional, mental e sobre o espiritual.

Médicos recebem pessoas para atender, não devendo fazer acepção de tipos de pessoas ou tipos de enfermidades. Apenas atendem e resolvem as situações com medicamentos, orientações ou procedimentos, sem apegos ou aversões. Monges, em especial os noviços em treinamento, apenas praticam e servem, sem apegos ou aversões.

No momento atual, estou em cargo de coordenação de muitos serviços médicos, o que me exige treinar mais a escuta compassiva, só para dar um exemplo de como conciliar o Dharma com o trabalho civil.

 

Poderia nos contar sobre as palestras que realiza sobre saúde mental?

Monge Yakusan: No último ano, o número de palestras aumentou muito. Quando a olhamos para as tendências de buscas no Google, saúde mental teve um aumento importante, e sempre ocorre na época das festas de fim de ano, quando teoricamente se esperaria uma “maior felicidade”. O que sinaliza que o consumo e as festas da maneira como ocorrem não preenchem vazios existenciais. O que eu falo é essencialmente sobre o Dharma de Buda, apontando aspectos das ciências da saúde quando estão em acordo com esse Dharma. As palestras ocorreram e ocorrem não só sobre saúde mental, mas sobre saúde em geral, e para diversos locais e públicos: universidades, escolas, grupos de estudos, sanghas, empresas, centros de assistência à saúde, complexos hospitalares etc., sempre levando em conta as convergências entre as ciências da saúde e os ensinamentos budistas. Nunca pensei que isso fosse acontecer, mas esgotei a agenda de palestras desse ano há poucos meses.

O senhor acredita em benefícios da meditação para tratamento de transtornos mentais?

Monge Yakusan: Existem inúmeras evidências científicas descritas sobre os benefícios de práticas contemplativas para melhoria de qualidade de vida ou de sintomas de transtornos mentais, em especial para transtornos de ansiedade, fóbicos ou de depressão. As evidências estão aí, o que inclusive tornou a meditação uma das práticas mais procuradas desse novo milênio. Por outro lado, vale salientar dois aspectos:

  • Existem contraindicações às práticas meditativas, principalmente quadros instáveis desses transtornos. Em diversos centros de prática pelo mundo, o participante assina um termo de anuência e responsabilidade caso tenha alguma crise, visto que essa pessoa acaba se deparando com seus padrões mentais do momento;
  • Falando do zazen, os benefícios são percebidos e tem benefícios documentados na ciência após retiros, por exemplo. Porém, zazen não é prática fim, é prática meio e fim em si. Não sentamos em zazen para ficarmos mais saudáveis, mais ricos ou melhorar nossas relações. As transformações ocorrem com o tempo, de maneira fluida, como se fosse a cada passo do kinhin.

Deixo lista de registro de revisões sistemáticas sobre meditação e benefícios em saúde.

 

Há relação entre o Budismo e a ciência?

Monge Yakusan: O Budismo, dada as suas bases filosóficas e éticas, tem uma relação tão forte com as ciências ditas ocidentais, que há quem teime em dizer que o Budismo não é uma religião, e sim uma filosofia ou “estilo de vida”. Ledo engano. Quando olhamos à luz das ciências das religiões, o Budismo tem todo o arcabouço estrutural de uma religião. Além disso, pelas bases filosóficas, o budismo tem inúmeras interfaces com as ciências, em especial com as neurociências e ciências comportamentais. Basta lembrar dos estudos clássicos de eletrofisiologia que fizeram com o monge tibetano e pesquisador Matthieu Richard, ou de publicações da área da psicologia, como o livro O Cérebro de Buda que descreve os padrões de funcionamento cerebral.

Poderia nos contar sobre o trabalho que realiza em seu perfil do Instagram, como as cerimônias, por exemplo?

Monge Yakusan: Não faço nada demais, nada de especial. Nas minhas redes sociais, que incluem Instagram, Youtube e canal de textos escritos no Medium, tem material sobre os ensinamentos essenciais do Budismo Mahayana, leitura de textos clássicos do Zen, e as cerimônias matinais em parceria com a comunidade Zen RP (Ribeirão Preto), que sempre me acolheu com muito afeto e cujo professor do Dharma responsável é um querido amigo e irmão de Caminho (Kojun Sensei), e assumindo integralmente essas cerimônias ele se recupera de cirurgia. Não sou um “gerador de conteúdo” regular, eu faço vídeos e textos quando possível, e sempre gratuitamente. No momento, estou produzindo um curso em parceria com um canal do Youtube e já em negociação com uma editora para publicação de livros.

As divulgações que faz pelo Instagram são uma forma de divulgação do Dharma, a partir disso o senhor percebe um crescimento dos interessados pelo Budismo?

Monge Yakusan: Percebo uma curiosidade crescente de pessoas interessadas pelo Budismo sim, muito em virtude da divulgação de práticas meditativas como o mindfulness e pela divulgação de livros e vídeos sobre o meditação e o zen em si – Coen Roshi tem mais de 3 milhões de seguidores em suas redes. Isso é positivo porque ao menos o Budismo enquanto religião pode ser cada vez mais respeitado. Porém, precisamos admitir que uma prática séria e correta não é algo fácil de se assimilar em um país como o Brasil, e o crescimento de budistas praticantes não ocorreu na mesma proporção de interessados.

É importante fazermos a reflexão do quão correta e séria é a prática que estamos oferecendo. Estamos de fato oferecendo o Dharma para beneficiar inúmeros seres, para alcançar mais sabedoria e compaixão, ou estamos apenas a serviço do “eu menor” e usando o manto como “capa de super-herói”, como costumo falar? Estamos realmente a serviço do Dharma, honrando a ancestralidade que permeia o Budismo? São reflexões que precisamos fazer para termos não somente interessados, mas sim mais praticantes sérios, engajados e realmente a serviço do Dharma de Buda.

Por fim, deixo minhas redes: Instagram @omedicoeomonge, e meu canal de textos escritos no Medium.

 

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