Entrevista com Monge Andō – Ordenação Monástica

 

Apresentamos na edição anterior as entrevistas realizadas com dois dos quatro noviços (Jōza 上座) ordenados no mês de outubro, no templo da comunidade zen-budista Daissen, em Florianópolis. E seguimos as entrevistas com os monges-noviços.

A seguir, apresentamos a entrevista concedida, gentilmente, pelo monge Andō. O monge-noviço trilha o caminho budista há quase 10 anos. Em meio à crise existencial, encontrou inspiração em uma palestra ministrada por monge Genshō, em Goiânia anos atrás. Este encontro inicial com o Sensei foi determinante para sua prática, seus votos leigos e, agora, seus votos monásticos. “Deixa o lar e se compromete com o caminho para a outra margem” (Shukke Tokudo 出家得度).

Andō san compartilha conosco um pouco da sua história como praticante, sobre a ordenação e o caminho monástico e nos deixa uma mensagem final às pessoas iniciantes.

 

Poderia nos contar sobre sua trajetória no Budismo?

Monge Andō: Desde que me lembro, sempre fui muito curioso. Adorava investigar e descobrir o funcionamento de tudo, desde as coisas da natureza às coisas tecnológicas. Tive o privilégio de nascer em uma família que, além das condições básicas que qualquer ser humano deveria ter, me proporcionou acesso à educação, esporte e cultura. E isto, com certeza, fez e continua fazendo, imensa diferença na minha vida. À minha mãe e meu pai, dedico a mais profunda gratidão.

Acho que foi com o cinema e as produções para a televisão, lá na minha infância e pré-adolescência, que tive os primeiros contatos com as coisas do oriente. Minhas primeiras referências a respeito do Budismo. Mesmo que de forma lúdica, tudo isso era muito interessante. No Ensino Médio surge um grande prazer em mergulhar nas áreas do conhecimento humano, explorar a vida através da ciência, da história, da sociologia e filosofia. Ao mesmo tempo, brotam questionamentos existenciais inevitáveis sobre minha “atuação” neste roteiro pronto que é vendido como o “normal” para uma pessoa adulta realizar, “chegar a algum lugar”, “ser alguém”, acumular bens, enriquecer… Qual o sentido de tudo isso? Entro para o mercado de trabalho enquanto cursava a faculdade de Design de Comunicação. As prioridades da vida mudam. O tempo passa e me vejo sendo arrastado pelas circunstâncias da vida. Simultaneamente, cresce uma certa angústia e com ela uma necessidade de investigar, de encontrar alguma fonte de sabedoria e lucidez, pela qual eu pudesse me orientar. As religiões tradicionais, no Brasil, já não me atendiam neste aspecto.

Minha família é cristã e esta tradição foi a base da minha formação ética e moral. Contudo, desde muito novo, algumas coisas não faziam sentido. O ensinamento de Cristo, enquanto um “caminho superior”, não me parecia (ou eu não conseguia percebê-lo assim) um guia que, efetivamente, as pessoas aplicavam no dia a dia, frente às questões de agir e reagir às circunstâncias da vida; que gerasse alguma transformação de consciência e comportamento, reduzindo ou superando a ignorância e o sofrimento. A percepção e a crítica que eu fazia era de que tudo girava em torno de conforto emocional temporário, de promessas milagrosas, do cultivo de uma fé rasa e cega que, não raramente, manifestava estreitamento de visão e postura fundamentalista. Me parecia que todo o conhecimento intelectual da humanidade era inconciliável com a “suposta” sabedoria transcendental da fé. Não me cabe, aqui agora, entrar numa análise deste tema e suas razões filosóficas, históricas e socioculturais.  Assim, me distanciei desta tradição e, de lugar em lugar, busquei propostas diferentes, algo que me chacoalhasse, me abrisse os olhos e me apontasse na direção de uma compreensão mais profunda de mim mesmo, dos outros e da vida.

Naquela época, dos meus vinte e poucos anos, eu até consegui ter acesso a algum site sobre o budismo, mas ainda era muito pouco material na internet e tudo muito confuso. A internet não era como hoje, não tínhamos acesso às palestras dos professores budistas, muito menos em português. O que eu conseguia encontrar soava muito estranho, de uma realidade muito distante. A grande diversidade dos tipos de Budismo, aliada ao que se encontrava na internet até o início dos anos 2000, não se compara à facilidade que temos em acessar hoje um conteúdo pedagógico vasto, claro e bem-organizado. Por um tempo, perdi interesse e me distanciei de toda e qualquer prática espiritual, mesmo que sentisse falta.

Certo dia, em um restaurante no centro da cidade, enquanto almoçava, vi um cartaz anunciando uma palestra de um “monge zen”. E esse cartaz me chamou atenção. Lembro de exclamar: “Está aí! Isto é algo que eu gostaria de investigar, de descobrir mais… ouvir esse monge. Quem é esse monge? O que representa este ser, esta figura da minha imaginação, da minha infância, bem aqui na minha cidade?  Sobre o que ele falaria?” Era o Sensei, monge Meihō Genshō, da ordem zen-budista Sōtō. Orientador da comunidade Daissen e discípulo de Dōshō Saikawa Rōshi, o sōkan (superior geral da ordem) para a América do Sul até pouco tempo.

 

A palestra ainda demoraria alguns meses, então fui ao endereço do grupo para buscar mais informações e experimentar a tal “meditação”. Eu tinha pouca ideia do que era meditação e nunca ouvira falar de zazen. Me recordo que era solicitado que cada pessoa levasse uma almofada. Compareço à uma pequena sala, emprestada ao grupo todas as quartas-feiras, para minha primeira experiência. Uma experiência tão simples, sem nenhum segredo, apenas sentar na almofada, regular a respiração, permanecer imóvel e em silêncio, de frente à parede branca. Um pequeno sino soou e, estranhamente, meu corpo todo ressoou. Que agradável este som! Permanecemos assim por alguns minutos. E depois escutamos uma pequena leitura. Pela primeira vez, fiquei algum tempo realmente em deliberado silêncio. Ainda não era uma prática formal de zazen, mas experimentar aquele momento, me permitiu, como nunca, estar em contato comigo mesmo, com minha mente, com a minha existência pura. Aquilo me foi muito impactante. Nas semanas e meses que se seguiram eu não manifestei muito comprometimento. Minha vida já tinha um roteiro definido. Mesmo assim, algo me fez voltar. Falhava duas semanas, voltava na outra; falhava um mês, retornava no próximo. Uma forte necessidade de “beber mais daquela fonte”.

Até o dia da palestra. Eu diria que foi meu segundo divisor de mares nesta caminhada. Depois de conhecer o grupo, a sangha e degustar pitadas da “prática” (ainda incompreendida como sendo um treinamento) o grande impacto foi conhecer o sensei pessoalmente! Um representante daquela estranha tradição religiosa pela qual eu estava interessado, mas precisava investigar mais. O ouvi, atentamente, falar sobre a vida de Shakyamuni Buddha, sua trajetória e sua sabedoria para a vida. Um novo mundo de considerações florescia em minha mente. Muitas questões começaram a ser esclarecidas, a começar pela condição humana do Buddha, até então, no meu raso conhecimento, se tratava de mais uma das divindades às quais as pessoas cultuavam e se submetiam.

Era difícil ter acesso, naquela época, a uma pessoa como o monge Genshō, tão sóbria, clara, assertiva, de cuja boca saiam, docilmente, as respostas mais desconcertantes. Cortes suaves, limpos e precisos, como de uma katana (espada japonesa) nas mãos de um virtuoso espadachim. Um ser de grande sabedoria, como o Bodhisattva Manjushiri que enverga a espada que corta a ignorância! Era a luminosa sabedoria budista, das questões aparentemente simples às mais fundamentais da existência. Arrisquei uma ou duas perguntas autocentradas em meio a tantas, mais interessantes, feitas pelas pessoas presentes. Não nos pediu que acreditássemos nele ou a depositar “fé” em alguma crença milagrosa qualquer. Pelo contrário, nos apresentou a destruição delas. Nos Instigou a refletir, a investigar e experimentar. Ao final, adquiri seu livro, de capa simples e serena, recém-lançado. Deixei o local decidido a praticar com real seriedade. Daí em diante veio o “efeito da sangha’” (que eu gosto muito de ressaltar), o poder da comunidade. Me acolheu, apoiou, estimulou e me fortaleceu até que me vi envolvido pelo Zen. Aos poucos e cada vez mais, minha prática se aprofundava e todo este aprendizado proporcionado em meio à comunidade, me conduzia pelo “rio do Dharma”. E assim a correnteza foi me levando.

Logo vieram os primeiros retiros de prática. Não fazia ideia de como seria nossa primeira prática com o monge Genshō, no próprio espaço da comunidade.  Um zazenkai, um dia inteiro de sessões de zazen, em nobre silêncio, respiração consciente e imobilidade. Tentando experimentar a quietude do corpo-mente. Foi a primeira oportunidade de praticar e receber ensinamentos diretamente do mestre. Um encontro muito importante, porque vimos que poderíamos organizar e experimentar um retiro mais longo, de prática profunda (sesshin). E assim foi feito. Um local adequado, afastado da cidade e a condução de monge Kōmyō, um exemplo de simplicidade, humildade e sabedoria. Praticamos ao longo de alguns dias, acordando às 4h, nos recolhendo às 21h. Dias de introspecção, prática diária de zazen; ensinamentos; trabalho braçal, alimentação moderada e saudável. Plena atenção a cada momento.

No ano seguinte, trouxemos Genshō Sensei, para o segundo retiro de prática profunda. Foram dias inesquecíveis. Difícil não se impactar com a sabedoria e a presença firme, serena e equilibrada do mestre sexagenário, sentado em zazen, junto aos alunos todos os dias. Da primeira à última sessão de meditação. Na cerimônia da manhã (chōka) que ele mesmo executava. Em cada gesto durante as refeições formais e todo o seu ritual. Na escuta compassiva das entrevistas com cada praticante (dokusan). E os inestimáveis ensinamentos em cada palestra que nos deu. A esta altura, eu já sentia que este era o caminho que eu queria trilhar. Ali, eu já me identificava, enquanto zen-budista.

É bem interessante quando penso naquela, não muito antiga, busca por sentido. Ao dar alguns passos na prática e no estudo para compreensão da doutrina, diversos elementos, diversos fragmentos na minha mente, da minha vida, se reagruparam e muitas coisas passaram a fazer sentido. Havia encontrado o que tanto buscava. Encontrado a mim mesmo; colocado óculos que me faziam enxergar melhor; encontrado a fonte de uma sabedoria (Dharma) para me guiar; uma comunidade (Sangha) onde me sentia em casa e em harmonia; onde as pessoas ao meu redor se esforçavam na mesma prática (zazen), sem mágica, sem crenças, não sendo mais preciso convencer ou ser convencido. Apenas mergulhar na experiência.

A cada ano, vieram outros retiros. Algumas viagens. Naquela época, só participávamos de um retiro, uma vez ao ano, com o sensei. Estamos em Goiânia, 1.500 km distante de Florianópolis, onde ele reside. Então, surge a perspectiva de ir até o mestre, de conhecer novos praticantes, outras pessoas mais antigas no caminho, além de outros monges e monjas. Sentíamos que era necessário. Eu e mais três praticantes nos “aventuramos” nesta longa viagem de carro, rumo ao primeiro retiro “longe de casa”, para experimentar um outro nível de prática. Foi a experiência mais intensa e profunda que, até então, jamais poderíamos imaginar. Foi importante também para a ainda jovem comunidade de Goiânia, porque trouxemos conosco uma valiosa experiência e a compartilhamos com os demais. Nesta época, além de mim, outras pessoas se colocavam à disposição da comunidade, dentro de suas condições, para ajudar a manter a prática e os ensinamentos disponíveis.

Com o passar dos anos, entrei em um momento da vida onde as coisas começaram a ficar mais claras. Aquela busca particular, aquela crise pela qual passava antigamente, as questões profissionais, as questões familiares, as paixões românticas, todas essas coisas ganharam outros contornos. Mas, há dez anos, era inimaginável que eu iria me dedicar ao Zen como hoje. Que eu pediria para fazer os primeiros votos, costurar uma miniatura do manto do Buddha, o rakusu (usado pelas pessoas investidas, tanto leigas quanto monásticas). Muito menos, ser ordenado monge. Isto soaria completamente nonsense naquela época! Mas cada momento aconteceu naturalmente, em meio a uma sucessão de imprevistos. Nesta dança da vida, eu apenas dei os passos que julguei adequados e necessários, conforme as circunstâncias.

O que o levou ao caminho monástico? Para que alguém faz esta escolha?

Monge Andō: Depois do meu Jukai, a cerimônia dos preceitos leigos (Zaike Tokudo 在家得度 – entrar no caminho para a outra margem, sem deixar o lar), eu estava mais comprometido com a comunidade. Durante o retiro seguinte, senti algo como um insight, senti um forte chamado… Lembro de algumas pessoas que, ao saberem que eu havia pedido para ser ordenado, me perguntavam: “Por que você fez isso? Por que você quer ser monge?”  Depois de um bom tempo de prática, eu senti que era isso que eu precisava fazer da minha vida. Senti que era isso pelo qual valeria me entregar e me dedicar. Sem nenhum conforto. Apenas mais desafios, mais trabalho, mais responsabilidades que se tornaram o centro da minha vida, dos meus pensamentos e dos meus esforços diários em tentar ajudar os seres a superarem o sofrimento.

Atualmente, quando penso na minha vida profissional em paralelo à vida monástica, me sinto em paz para enfrentar o que há de vir, ao contrário de antes de chegar ao Zen, quando eu não sentia ter alcançado a “realização pessoal e profissional”, o tão famoso “sucesso” que os padrões sociais infligem. No ocidente, os monges e monjas precisam garantir condições de se autossustentar, sem depender da comunidade, ao contrário do que é comum no oriente. Foi preciso pensar muito bem em como eu conciliaria estas questões. Na verdade, este tem sido um caminho de me encontrar e de me ajustar. Ser unsui 雲水 ou kōun ryūsui 行雲流水, como é dito no oriente, que significa “me mover livremente pela vida, sem as restrições e limitações do apego. Ir e vir, leve como as nuvens flutuantes. Fluir como a água, que se adapta, mas tem a força de vencer quaisquer obstáculos.”

Os votos monásticos nascem pela própria caminhada, tornando-se algo real na minha vida, de forma gradual e natural. Sensei costuma dizer que, quando alguém pede para adentrar ao caminho monástico, o mestre vai questionar se a pessoa já se dedica à comunidade; olhará para seu tempo e profundidade de prática; e se o comportamento dela já é de alguém comprometida com o caminho. Pois as mudanças mais importantes acontecem muito antes de uma ordenação. Elas já vêm acontecendo aos poucos, ao longo dos anos. A ordenação em si, é um momento de compromisso público. Uma cerimônia onde nós fazemos os votos perante o mestre e a comunidade. Pelos quais somos ordenados.

Houve um encontro dias atrás, um encontro virtual, onde me pediram para falar sobre este tema. A ideia que me veio na hora foi: “Eu não me fiz monge, por mais que eu tenha feito este pedido ao sensei. Na verdade, foi a Sangha que me fez monge.” No momento que se está na correnteza do Dharma e ela está lhe conduzindo, não tem por que fugir, não faz nem sentido na verdade nadar contra o rio ao qual se entregou. Então, eu sou fruto da comunidade. O voto monástico, na minha visão, não faz sentido se não for para me aprofundar na doutrina e na prática; para me dedicar à comunidade e me esforçar em benefício das pessoas, enquanto nado na direção da “outra margem”. Fundamental foi o encontro com um professor do Dharma e com a Sangha. Penso que demoramos a ter alguma ideia da magnitude do impacto das nossas decisões.

Se olharmos para trás, todos os ancestrais que se esforçaram para transmitir a sabedoria aos seus discípulos e discípulas, dos esforços que monge Genshō fez desde leigo, desde a década de setenta, de se deslocar em busca de treinamento em outras cidades, outros estados, em outros países; sem as facilidades do Dharma disponível como hoje. Se cada uma destas pessoas, na história da tradição budista, não tivesse feito os esforços e as escolhas que elas fizeram, nós não estaríamos tendo esta conversa. Foram muitos esforços. As escolhas feitas, as ações de mente, fala e corpo realizadas. Isto é karma e os frutos do karma.

Qual o significado da ordenação monástica na ordem Sōtō? E para o senhor?

Monge Andō: Não só para a Sōtō-shū e para o Zen, mas para toda a tradição budista. Ao longo dos séculos, monges e monjas tomaram os votos, renunciaram à vida leiga, se dedicaram à prática, aos estudos, ensinaram e preservaram a tradição. Então, a palavra que me vem é esperança. Um sinal de que o Dharma tem chance de continuar. A ordenação é um comprometimento muito sério, de muita responsabilidade com os estudos, com a prática e o treinamento formal exigido pela ordem. Cultivar os oito aspectos adequados que libertam os seres do sofrimento. A ordenação, por si só, não faz ninguém melhor ou especial. Só indica uma renúncia íntima, de maior comprometimento com o caminho, com a comunidade, com o mestre e a linhagem, em nutrir e preservar a tradição e suas Joias. Independente de a pessoa ser leiga ou ordenada, ou nem mesmo ser budista, todas são humanas como o príncipe Siddharta e podem, através do esforço próprio, cultivar as virtudes e desenvolver a lucidez. Despertar.

A ordenação representa uma mudança de prioridade na vida da pessoa?

Monge Andō: Com certeza. Mas a ordenação representa uma aspiração de trilhar o caminho do despertar, representa o compromisso com a própria vida do planeta, com a natureza, com as amizades, com as relações familiares e profissionais. Não implica se alienar. Mas sim, em se compadecer do sofrimento dos seres e aspirar ser uma ponte entre as pessoas e a sabedoria do Buddha. Há dois monastérios: o do treinamento formal e o “monastério junto às pessoas”.

O que representa o ato de raspar os cabelos e a barba?

Monge Andō: É uma transformação radical! Interna e externa. Adotamos uma outra identidade, renunciamos à vaidade, ao orgulho e nos propomos enfrentar uma nova e longa jornada. Na cerimônia de ordenação, nós já entramos com a cabeça raspada. Sem distinção. Homens e mulheres. É o primeiro momento, a primeira grande transformação que envolve a cerimônia, é raspar a cabeça. Não tem mais volta, a cerimônia já começou e entregamo-nos ao Buddhadharma. Permanecer raspando a cabeça é uma forma de estar sempre renovando os votos, permanecer vigilante, me lembrando sempre que os fios da ignorância crescem incessantemente. Me lembrando que não sou nada especial e que é fácil me perder e cair nas armadilhas do ego.

Poderia deixar uma mensagem para aqueles que estão iniciando no Caminho?

Monge Andō: O caminho de qualquer praticante budista, seja leigo ou leiga, monge ou monja, é um caminho de autodescoberta, de autoconhecimento e de autotransformação, raramente fácil. Algumas pessoas estão mais inclinadas ao Caminho, outras têm mais dificuldades. Não é fácil se investigar. Exige coragem, motivação, esforço. Não é fácil entrar em contato íntimo, se descobrir e perceber as próprias ilusões. Igualmente difícil é realizar a transformação. Exige ainda mais esforço. Então quando é que começaremos?! Não há como nos aprofundarmos no caminho apenas lendo. Também fica insuficiente apenas praticar sem melhorar a nossa compreensão do Dharma e sem cuidar do nosso comportamento em comunidade. É por isso que as Três Joias (Buddha, Dharma e Sangha) são tão importantes. Em conjunto, elas guiam as ações que pavimentam o caminho sob nossos pés.

No começo, sentimos grandes efeitos com a prática. Aí podemos pensar que já é suficiente e nos acomodamos. O tempo passa e parece que paramos de avançar. Mas há sempre a possibilidade de um esforço além, de um mergulho mais profundo. É neste momento que devemos confiar nos ensinamentos, na orientação do professor e enxergar que, provavelmente nossa prática esteja insuficiente ou inadequada. É este o momento de renunciar às certezas, ao orgulho e à vaidade. Ao medo. Tomar um compromisso maior e se esforçar um pouco mais. Saltar do abismo.

Se pensarem em desistir. Desistam. Desistam de sua arrogância. Libertem-se de suas prisões, tema muito bem abordado por um escritor que há anos acompanho e admiro, Alex Castro ( https://alexcastro.com.br/prisoes ) que diz: “As prisões são as bolas de ferro mentais e emocionais que arrastamos pela vida, as ideias pré-concebidas, as tradições mal explicadas, os costumes sem-sentido.” Abram mão de suas convicções, como ensina o mestre Denshō Quintero, “duvidem de sua própria compreensão”. Superem seu autocentramento e recomecem com uma mente livre, aberta e receptiva, a “mente de principiante” da qual Shunryu Suzuki Rōshi escreveu. Pratique o Zen e “esqueça de si mesmo”, nas palavras de Eihei Dōgen Daioshō, ancestral fundador da ordem Sōtō.

Por último, não se contentem com estas minhas impressões. Elas não são a verdade. Levantem-se, esforcem-se e busquem o caminho. Experimentem. Encontrem-se consigo mesmos. Encontrem a correnteza. Deem o próximo passo. Isto é crucial!

Aspiro que os seres sejam felizes, não sofram; que encontrem as verdadeiras causas da felicidade e superem as causas do sofrimento; que superem toda ignorância e carma negativo; que tenham lucidez e capacidade de trazer benefício aos outros. Que todos os seres encontrem nisso a sua felicidade.

Que, ao praticarmos juntos as seis perfeições (generosidade, ética, paciência, perseverança, concentração e sabedoria), todos os seres possam se beneficiar.

 

Entrevista realizada por Lenemar Nascimento Pedroso. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

Para ler as entrevistas com os demais monges, acesse a coluna Vida Monástica. Clique AQUI.

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