Budismo Através das Tradições

 

Os Ensinamentos do Dharma nos Pequenos Gestos

 

Início de janeiro, no Brasil muitos brasileiros começam a pensar em qual fantasia irão investir para o carnaval que se aproxima. Comemorado no outono nos EUA, o Dia de Ação de Graças é o feriado mais tradicional e simboliza a gratidão a Deus. Os hábitos dos diferentes povos são influenciados por sua diversidade cultural. Para as ciências sociais cultura é uma rede de compartilhamento de símbolos, significados e valores de um grupo ou sociedade e que são formados artificialmente pelo homem. Esses símbolos podem incluir a língua, música, comida e a vestimenta. Muito embora alguns países apresentem pontos de vista culturais muito parecidos, outros apresentam aspectos muito diferentes e que podem ser muito difíceis de entender. Normalmente para nós brasileiros as culturas orientais são quase inacessíveis e mesmo que as fronteiras culturais entre Brasil e Japão tenham diminuído e elementos como culinária e artes não sejam mais tão estranhos, ainda existe uma barreira com relação a religião, por exemplo.

O Zen, talvez o maior enigma oriental para o povo do ocidente, influenciou muito a cultura japonesa transformando não somente a arte e o idioma, mas também o modo das pessoas se vestirem e se comportarem. Parece estranho que o Zen possa ter influenciado o idioma e a escrita, mas sim, influenciou e não somente com a estética da caligrafia importada da China, mas também na forma poética e educada do tratamento interpessoal que abriu uma nova oportunidade de ver e sentir as relações. Por exemplo, o verbo Omou (思う), que significa pensar, ou ‘achar’ na tradução para o português. No Brasil podemos dizer “Essa flor é linda”, ou “Essa comida é ruim”, nessas frases há a afirmação de uma condição, em contraste com a frase em japonês que é “Penso que essa flor seja linda”, onde existe a possibilidade de opinar sem entrar em conflito com a opinião de outras pessoas. Isso é claramente uma influência do Zen. Outro exemplo é ‘pessoa’, (人-Jin), quando unido a outro Kanji pode significar humanidade. A origem desse Kanji parece ter sido uma pessoa caminhando e os traços representariam as pernas. A cosmovisão budista abre a possibilidade de termos outras interpretações ou até mesmo uma apreciação diferente do mesmo caminhar, como a ideia de que para caminharmos precisamos das duas pernas. De acordo com a fisiologia, o bom caminhar, ou a boa marcha, depende das duas pernas, podemos nos descolar com apenas uma perna, porém, de forma eficaz, a marcha depende das duas pernas. Esses dois palitos escorados um ao outro sugerem ainda que somos seres interconectados e interdependentes, e que a ausência de um condenaria o outro a extinção, por isso eles se apoiam. Na culinária, ao invés de espetarem a comida com um garfo ou rasgarem com uma faca, os japoneses utilizam o Hashi, os palitinhos, reforçando o conceito de interdependência para que a comida chegue à boca.

Quando os ocidentais chegaram ao Japão e perguntaram como se chamava a roupa que os nativos usavam, receberam a resposta: “Coisa de vestir”, e assim chegamos a palavra Kimono, onde Ki vem de Kiru (着る) que significa vestir e Mono (物), coisa. Assim como a escrita e outros hábitos, a forma de vestir dos japoneses também tem origem na China e chegou ao Japão entre os séculos IV e IX influenciado pelo Budismo e pela corte chinesa. Na era Heian (794-1185) o contato com a China foi rompido abrindo espaço para que formas de expressão genuinamente japonesas florescessem. No entanto, foi somente a partir do Período Edo, que vai de 1603 até 1867, que começa a assumir um estilo exclusivamente japonês, mais simples no corte, mais aprimorado em camadas e requinte têxtil.

Omotenashi, que significa “cuidar com apreço de seu convidado” tem sua maior expressão na cerimônia do Chá ou Sadô ou Chadô. O Chadô talvez seja a mais fiel tradição de influência Zen Budista no Japão. Assim como na cerimônia formal dos mosteiros Zen feitas com o Oryôki (conjunto de tigelas), o Chadô exige de seu praticante movimentos elegantes e sincronizados. Cada peça tem seu lugar próprio e cada movimento tem um momento adequado para ser executado. Cada ação tem seu significado e explicação, porém nunca são mencionados, devendo ao convidado realizar por si mesmo o entendimento.

O que torna as refeições com Oryôki e o Chadô tão singulares é o fato das roupas, os Kimono, converterem cada movimento numa experiência Zen. O conjunto de roupas sobrepostas da vestimenta completa de um monge Zen, por exemplo, faz com que todos seus movimentos sejam minimalistas, não sobrando espaço para meneios amplos ou exagerados. Mesmo um ato simples como caminhar deve ser executado de forma lenta, com passos curtos e qualquer tentativa de correr é impossibilitada pelo Kimono amarrado à cintura pelo Obi (faixa larga que prende o kinomo) que deixa somente uma pequena abertura para as pernas. As mangas longas, impedem que os braços possam ficar esticados obrigando o monge a mantê-los sempre num ângulo de noventa graus. Em alguns momentos das refeições as mangas são discretamente presas sob os braços ou seguradas com uma das mãos para que não esbarre ou caia sobre as tigelas, num gestual quase imperceptível.

Acender uma vela, sentar-se, oferecer um incenso, fazer uma prostração, dedicar uma Chawan com chá, andar pelo jardim, regar uma flor, varrer a casa ou levar uma refeição à boca, ações antes triviais, recebem contornos etéreos revestindo seu autor como uma aura de sofisticação e ao mesmo tempo de simplicidade, modéstia, integridade e até mesmo ingenuidade. Cada movimento clama nossa plena atenção e converte-se numa estética de despojamento e desapego com o resultado final cujo único objetivo é nos manter no momento presente atentos ao mundo que nos cerca.

 

Texto de Monge Chudô. Monge zen budista na Daissen Ji. Escola Soto Zen

 

 

Bibliografia:

https://kotoba.com.br/zen-budismo-japones/

https://www.todamateria.com.br/o-que-e-cultura/

http://www.culturajaponesa.com.br/index.php/diversos/kimono/

 

 

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