Pergunta Extraordinária

 

Um dia, sem querer, você descobriu o limite de sua consciência. Você percebeu que não sabe quem é ou o que está fazendo aqui. Embora você tenha alguma consciência de que está sempre aqui. No entanto, você pode perguntar a si mesmo “quem sou eu? ”. Assim você inaugura o silêncio e prova a consciência da totalidade. Você pode também perguntar aos outros, mas, ninguém saberá lhe dizer, estão todos vivendo sem saber.

As perguntas expressam a necessidade de transcender. Expressam um desejo genuíno da condição humana, querer saber. Mas o que é procurado está inacessível para os modos comuns do corpo em sociedade. Isso acaba gerando uma grande confusão quando uma resposta é dada, tida como real e acreditada. Isso faz com que a verdade pareça um segredo guardado a sete chaves, no entanto, ela está disponível agora.

A imensa maioria das pessoas está atrás de respostas definitivas. Você não precisa ser uma dessas pessoas.

Uma pergunta é genuína porque abre a mente. A pergunta é maravilhosa porque ela faz apenas uma coisa, abrir, e abrir é livrar-se. Uma pergunta faz desaparecer o mundo para quem nela mergulha. Uma pergunta não tem outra obrigação senão ficar apontando a abertura para o fim de todas as certezas, todas as ilusões, e nós somos perguntas ambulantes. Somos a questão existencial aberta.

Quando você estiver na pergunta, não queira respostas. Você pode sentir a força e a potência da liberdade morando dentro da pergunta, não se apresse em sair dela. Na verdade, não saia da pergunta, não saia porque não há resposta. Respostas não são verdadeiras. Uma resposta é um embuste do mesmo cérebro que também é capaz de te fazer adentrar o portal para a verdade com uma simples pergunta. Não se fixando na resposta sua mente cumpre o mais alto papel para o qual foi desenvolvida. Te levar à “resposta” que ela mesma não é capaz de dar! (Aqui o silêncio se expande).

Ao perguntar você se encontra a menos de um milímetro da transcendência. Você pode sentir a sua vibração até. Você só vai precisar de tranquilidade e paciência. Deixe a angústia e a ansiedade, deixe o medo. Se ainda não é possível se ver livre dessas emoções, então prepare-se, a porta da transcendência é como um filtro muito sensível e nele as emoções ficam retidas. Se você estiver apegado às emoções ficará de fora, junto às emoções, às portas da transcendência (como sempre está). Buda dizia, encontre meios de tranquilizar o seu corpo. Encontrar meios de estar realmente tranquilo é muito importante. Mesmo antes de ser encontrado pela iluminação você pode confiar que é a tranquilidade do corpo (desobrigar-se das emoções) que abre caminho para o impulso que nem as perguntas e nem as respostas, ao final, podem criar obstáculo. Este impulso é o fluxo natural que transcende agora, independente, sempre independente, das suas emoções pessoais tão bem cuidadas e guardadas por você mesmo.

A que horas você chega? Alguém pode perguntar. Como você pode ser sincero? Não responder seria o melhor. A hora que você vai chegar será a hora real da chegada, como saber agora? Claro, esta é uma pergunta simples do dia a dia, mas aponta para as perguntas que falam de vida e morte. Então para essa questão você pode dar qualquer resposta e, depois é depois, como vai acontecer é inexistente. Mas damos uma resposta qualquer e quem ouve assume aquela resposta protocolar e tudo bem. O mundo da comunicação é completamente impreciso e convencional. Da mesma forma, ao se perguntar, “quem sou eu? ” Também há uma resposta ou inúmeras possibilidades de respostas que não respondem nada. Mas que servem dentro da lógica social. Essas respostas são o resultado da habilidade do cérebro em simular realidades paralelas ou de sonho. Tenho tal nome, tal profissão, sou gordo ou sou magro, tenho tal e tal habilidade… Uso uma rede de informações para tentar me definir, mas isso não funciona para você mesmo. Para o maior interessado, talvez o único interessado, você, essa rede à volta é apenas uma ilusão circunstancial. Usando a sinceridade como real aliada, nada disso que a rede aponta é visto como você por você mesmo.  

Veja no parágrafo anterior que a sinceridade é a chave que muda tudo. Não uma sinceridade simulada dentro da convenção aceita em sociedade. Mas a sinceridade de quem faz uma pergunta e de dentro da pergunta vai se livrando de tudo o que não seja nem visto e nem sentido pelo coração espiritual. Internamente você vai se livrando dos conteúdos convencionais. Você passa a discernir e a não mais se confundir porque agora há sinceridade, de você para você mesmo. Isso é iluminação. Isso é outra coisa, sinceridade social pode ser hipocrisia. De você para você é possível ter domínio e percepção, e assim, optar por ver diretamente, despertar os olhos. A sinceridade é o mais importante na busca da verdade.

A energia para se livrar das certezas adquiridas um dia no passado, se manifesta através das perguntas que não se fecham, da potência do silêncio e da tranquilidade interior. A pergunta que assume uma resposta deixa de ser pergunta. O inquiridor volta a ter certezas (e dúvidas), objetos de crença somente e não a verdade.

É mantendo- se dentro da pergunta que as dúvidas se desfazem, para sempre. A pergunta que se contenta com uma resposta está apenas participando do jogo dual pergunta-resposta, conhecimento-ignorância. A eterna manutenção da dúvida e da ignorância. Não trocar a mente aberta por respostas é colocar o corpo amplamente disponível para a sabedoria. O não-saber da ignorância se transforma no não-saber da meditação e finalmente no não-saber da realização espiritual, o caminho absolutamente sem obstáculos que o satori definitivamente destampa.

 

Texto de Monge Seigen Sensei. Sangha Kyozen. Escola Soto Zen.

 

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