Quando penso em mim e no Budismo é como se um fio invisível estivesse nos conectando e com o passar dos anos ele se mantivesse ali, mesmo que eu caminhasse por diversos caminhos.
Em 2017 comecei a pesquisar sobre o Budismo, por meio de vídeos no Youtube, posts no Instagram; pesquisa vários conteúdos na internet, mas tudo de forma muito global e até rasa. Algumas idas ao Templo Zulai, algum conteúdo de monges conhecidos, no entanto, ainda assim me sentia perdida, não sabia o que fazer, como fazer, cheguei a pensar que era algo que eu não conseguiria alcançar. Era como se me faltasse uma mão, um caminho difícil de se fazer sozinho, uma pessoa sozinha é apenas uma vela, mas em companhia de outros se torna farol.
Nesse meio tempo meu marido adoeceu e qualquer pensamento que eu pudesse ter sobre uma busca interna desapareceu, e minha mente e preocupação dedicaram-se unicamente aos cuidados com ele, deixando, assim, meus anseios dentro de uma caixinha, guardada com cuidado e carinho no fundo da minha mente. Aquele ano passou, ele melhorou, e nos anos seguintes eu mergulhei de cabeça no samsara. Trabalhando muito, vivendo apenas o que o mundo tinha a oferecer, num descontentamento que parecia não ter fim, não havia um “pico da montanha” para mim, todos os passos pareciam insuficientes, todos os esforços não me serviam de nada, não me traziam paz, os “macacos” da minha mente pulavam de galho em galho em busca de algo que eles mesmos nem sabiam o que era.
Em 2020 veio a pandemia e com ela um choque de realidade! O mundo fora obrigado a frear seu ritmo acelerado e parecia que a natureza reclamava a nossa irresponsabilidade com ela e com todos. E quanto a mim? Eu senti que não podia simplesmente continuar seguindo como estava, ou perderia as estribeiras. Apoiei minha família, segui firme buscando manter a sanidade mental, foquei em me proteger e proteger os que eu amava, aguardei paciente o que viria a seguir. E o fio invisível seguia lá, quieto, conectado, firme! Vez ou outra ele dava uma puxadinha no meu dedo, recordando-me que havia algo dentro de mim, que o caminho não precisava ser como uma perambulação sem fim. Alguns sofrimentos são escolhas, algumas pedras somos nós mesmos que colocamos em nosso caminho, e se a colocamos temos condições de tirá-las. Lembro-me que desde criança sempre fui uma criança bondosa, paciente e carinhosa com todos os seres e hoje penso que desde de cedo, nos primórdios da minha infância, esse fio já existia.
O primeiro ano de pandemia acabou, 2021 trouxe alguma esperança a todos. Vacinas, menos vítimas acometidas, a consciência coletiva parecia estar mais fortalecida. Passei a me dedicar aos estudos, a minha família, e nesse momento um novo estalo aconteceu. Comecei a pesquisar novamente sobre Budismo e encontrei no Instagram do Sobre Budismo, um perfil que eu já conhecia, mas dessa vez comecei a assistir as lives de terça-feira com Monge Genshô, assistir lives com praticantes, com diversos ensinamentos do Budismo e formas de coloca-los em prática, passei a ouvir o podcast Iluminação Diária, e o caminho começou, aos poucos, a parecer menos “vela” e mais “farol”; então inscrevi-me na tutoria do Sobre budismo e comecei a ter o primeiro contato do que seria uma sangha, ter o sentimento de comunidade e percebi que era aquilo que eu buscava, que em 2017 não sabia nomear. Sentei-me em zazen com a câmera aberta e mesmo virtualmente estávamos próximos em sentimento, em intenção e nada era mais importante do que aquilo. Há princípio sentia dores na lombar, errava uma, duas, três vezes nos rituais a serem seguidos, mas não desistia, não cansava. A verdade é que havia se tornado um desafio, que eu sentia desejo de enfrentar. Assistindo as aulas às quintas, as aulas dos dias anteriores, comecei a estudar, anotar, percebi que podia perguntar e tirar minhas dúvidas tão primarias com alguém que entendia, que sentia carinho e contentamento em saná-las. A mensagem do Zen, a forma como se comunicava comigo, tocava meu coração e aquele fio invisível, lá do começo deste depoimento, tomava mais forma, mais firmeza e uma beleza tocante. Sem pensar muito, com a naturalidade de quem parecia, enfim, ter se encontrado, coloquei os pés na água e deixei que a correnteza me levasse pelo fluxo. Inscrevi-me na Daissen. Passei a participar da sangha virtual, a fazer zazen com tantos que, assim como eu, também buscavam algo maior, que tinham vontade genuína de estar com o mundo e que o “eu” não era nada além de uma concepção que trazia sofrimento, quando somos “nós”; quando percebemos que estamos juntos a tudo e todos, acredito que enfim entendemos.
Atualmente faço parte da comunidade Daissen, na sangha de São Paulo! Realizo trabalho voluntario, busco aprender, consciente de que pouco ou nada sei, mas com a vontade de entender cada vez mais. Seguir junto com o farol dá sentido a caminhada, fortalece a prática e nos torna melhores para toda comunidade. É sobre como podemos evoluir em prol de todo mundo, ver além da concepção da falsa individualidade e buscar na via do estudo, tentativa, prática e enfrentamento seguiremos até onde nosso fio poderá nos levar.
Espero ter sempre o olhar e coração de iniciante para que meu caminho no Dharma siga sempre fortalecido.
Obrigada a todos os obstáculos que me trouxeram até aqui, obrigada a todos que seguem comigo.
Texto de Juliana Bacellar. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.