Nirodha – Terceira Nobre Verdade

 

DukkhaNirodha é a verdade da cessação do sofrimento. É a verdade de uma duração, de um movimento, de um soprar o fogo dos desejos transmutados em venenos mentais.  Niroddha é uma explosão, uma mudança de qualidade da mente, o surgimento de um estado de consciência pura, que transmuta da existência cíclica Samsárica, para uma existência em livre acesso às experiências de Nirvana.  A Terceira Nobre Verdade é a verdade da cessação da dor e sofrimento e do surgimento da qualidade de uma mente liberada. É compreender que permanecer sob o domínio e controle da ignorância e das ilusões é estar preso ao ciclo samsárico de renascimentos.  Esta compreensão revela que somente a renúncia às causas podem criar as condições para a liberação.  Assim, reconhecer Dukkha e suas causas é preparar-se para a experiência da verdade afirmada por Niroddha, a verdade da cessação, a verdade do Nirvana.

Na doutrina budista, Nirodha tem sido comumente interpretado como a verdade da cessação do sofrimento pela extinção dos “três fogos”, ou “três venenos”, são os Kleshas, traduzido como obstáculos, mácula ou corrupção.  Estes venenos definem os estados mentais patológicos que nos levam a gerar ações negativas e tem como resultado a dor e a tristeza.  Os cinco skandhas; ou cinco agregados do apego, meio pelo qual é possível experimentar o que é agradável e desagradável, prolongar o prazer e afastar a dor, são os feixes de lenha que alimentam o fogo do desejo traduzido nos seus “três venenos”.   No Abhidhamma do Cânone Pali, dez venenos são identificados, sendo os três primeiros considerados a raiz do sofrimento.  São eles; Tanha (páli) ou Trishna, a raiz sânscrita dessa palavra é “trish”, que significa “sede”, metaforicamente tem o significado de forte desejo, avidez ou impulso de agarrar.  O segundo veneno Dvesha significa ódio, aversão, repulsa ou hostilidade, expressando a mesma força em potência que tanha, mas em sentido oposto.  Por fim o terceiro klesha, Moha ou Avidya que se traduz por confusão ou ilusão.

Na tradição Mahayana, Avidya é considerada uma ignorância fundamental, enquanto Moha, uma subcategoria, se refere a fatores mentais. Estes fatores são os venenos alimentados pelos sentidos e que mantém a “Roda do Samsara” em movimento.  A descrição desse movimento pode ser traduzida por Samsara Devanagari; que significa perambulação; andar sem destino, vaguear, divagar.  No seu sentido estrito samsara é um estado de consciência que se manifesta num aturdimento básico, uma perturbação dos sentidos que elimina os referenciais e estabelece um mover-se sem rumo.  Nesse mover-se somos apenas guiados pelos ventos da ignorância e controlados pelos desejos.  Estes venenos ou emoções perturbadoras encontram nesse vaguear uma mente propícia para que nossos instintos e impulsos sejam dominados. Não tendo uma percepção clara, nos agarramos a imprecisão e a incerteza com intensa fixação.  Esta é a mente a qual giramos a “roda do samsara” num ciclo infindável, percorrendo todos os seis mundos, não somente em vidas distintas, mas a cada momento.   A Terceira Nobre Verdade, Niroddha afirma a cessação do sofrimento causado pelos impulsos dos desejos que movem a “roda do Samsara” e do demasiado esforço em nos mantermos na instabilidade.  Na extinção desses venenos alimentados por Tanha, uma consciência livre surge, é Nirvana.  Nirvana é o dissipar, o desaparecer das oscilações da mente, é o cessar das dúvidas e confusões, é o aquietar da mente.

Na perspectiva não dualista Mahayana não há distinção entre samsara e nirvana o que os distingue é a sabedoria de olhar o samsara pelos olhos de Buddha.  Nesse estado de mente a ignorância fundamental cessa e há a experiência de realizar a liberação do instinto insaciável do desejo e das dores de repetidos nascimentos, vida e morte.  Já não há mais a ilusão de uma identidade permanente, de um saciar a “sede” de prazeres sensoriais, produtos dos cinco agregados do desejo, ou cinco kandhas; forma, sensação, percepção, formações mentais ou impulsos volitivos e consciência.  Assim, livres da ilusão de um “eu” intrínseco já não se está mais sujeito as mudanças constantes do fluxo contínuo natural, que geram os fatores que estabelecem as circunstâncias, aos quais os venenos da raiva, apego e ignorância, podem determinar nossas ações kármicas.  O entendimento da construção e da operabilidade desses agregados do apego dissolve a dualidade e a separação. A Terceira Nobre Verdade afirma a cessação de Dukkha pelo entendimento do não-eu, da impermanência de seus agregados e do fluxo de todos os fenômenos possíveis de contato sensorial que geram desejo, apego e fixação.

Da cessação dos cinco skandhas na sua forma de apego, da cessação dos venenos mentais pelo Nirvana e do Insight dos selos da existência, a mente é purificada das contaminações permanecendo em seu próprio fundamento primordial.   A dor de tanha, infinitamente presente e infindavelmente insatisfeita é o elemento determinante da ignorância, sendo a própria ignorância o elemento que alimenta essa forma de desejo num círculo vicioso.  Por ignorar a insubstancialidade e a impermanência se sofre, não uma dor que vem da não saciedade das ausências de prazeres, do tédio ou da brevidade da vida, mas uma dor do existir.  Uma dor que não cessa pelos jogos dos sentidos e pela satisfação de seus estímulos, para essa dor a cessação só se dá pela libertação do encanto hipnótico pelas coisas do mundo, que passa necessariamente pela contemplação da impermanência dessas mesmas coisas. A Terceira Nobre Verdade afirma a cessação da dor do existir pela renúncia do encantamento das aparências.

Nirvana é repouso e ausência de si, é eco afável do mundo.  Nirvana é uma mente livre, sem sinais, sem limites, sem a mediação do fator ignorância na origem dependente.  Nirvana é transcendente de todos os objetos da consciência. Consciência naturalmente luminosa, não-dual, totalmente livre, repleta de sabedoria e compaixão, totalmente Buddhica.

Belo é o ser sem appetitus” –   Byung- Chul Han

 

O verbo latino appetere significa “tentar pegar algo, ir na direção de algo” ou “atacar algo”.

O apetite se mantém no ser vivo. A ausência de apetite equivaleria à morte. ” – B.C.H.

 

“Ninguém passa por

Este caminho nesta

Tarde d’outono”

Bashō

 

Texto de Danielle Kreling. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

Pin It on Pinterest

Share This