Momento de Respirar

Trabalho como fonoaudióloga duas vezes por semana na Escola Recanto Lápis de Cor, ensino fundamental, no coração da Via Ápia. Escola inclusiva, sob a direção zelosa de uma mulher visionária, forte e determinada, com estrutura para acolhimento e desenvolvimento educacional dos seus alunos.

O ano era 2018, eu seguia o meu caminho rumo ao metrô; destino: Rocinha. A madrugada na comunidade tinha sido movimentada e violenta. No meio do caminho recebi uma mensagem pelo WhatsApp, uma das professoras dizia que a situação ainda estava tensa e que eu deveria voltar para casa. Foi o que eu fiz. Retornei, mas preocupada com as crianças e com a equipe. Não era a primeira e nem seria a última vez, os conflitos eram constantes.

As crianças ficavam muito agitadas e dispersas depois de eventos violentos como os daquela madrugada. Relatavam, durante as sessões, os acontecimentos sob sua ótica ingênua, contudo, cheia de significados. Crianças atípicas, com alguns comportamentos fora dos padrões habituais (cujas origens podem ser diversas), apresentavam uma mudança mais relevante no comportamento, mostravam fisicamente seu estresse de maneira agressiva, com mordidas, chutes e choros, justamente pela dificuldade de comunicação.

O dia seguinte àquele de 2018, em que precisei dar meia volta e retornar para a minha casa, foi tenso. As crianças estavam agitadas e eu fiquei agitada e tensa também. Por isso, antes dos atendimentos, resolvi meditar.

Eu já estava procurando um caminho espiritual naquela época, conhecendo escolas budistas, meditando, fazendo yoga e praticando técnicas de respiração. Após aquela meditação fiquei mais presente, atenta e consciente. Pensei na minha relação com as crianças e em como ajudá-las de forma efetiva. Busquei transmitir que as entendia e que tínhamos um forte laço de respeito comum, construído na base da confiança e carinho, capacitando-nos a ir do meu mundo para o do mundo delas por meio de um acolhimento recíproco.

Quando alguém se sente acolhido, expõe seus sentimentos e demonstra de verdade o que está sentindo. Naquele momento, pensei na meditação e em seus benefícios, caminho para, entre outras coisas, aumentar a capacidade de foco, lidar com as emoções de maneira saudável e cultivar um mundo interno mais tranquilo e com desejo de uma cultura de paz. Já havia lido estudos sobre como a prática da meditação ajuda a fortalecer a habilidade de sustentar a atenção por mais tempo, a lidar melhor com as emoções e a manter o equilíbrio emocional, tendo efeitos na área da empatia e da compaixão, ajudando na memória e aprendizagem. Em qualquer um dos níveis educacionais aqui no Brasil, a prática meditativa ainda é limitada, há algumas iniciativas isoladas, mas, felizmente, tenho observado o aumento de escolas que oferecem essa atividade aos seus alunos.

Apresentei à direção a ideia de aplicar a meditação às crianças, com a defesa de que isso desenvolveria a empatia delas, reduzindo a impulsividade, ajudando na concentração e cognição, dentre outros benefícios. A proposta foi bem aceita, salvo algumas reservas religiosas. Tive apoio também da equipe de professoras, que enviavam as crianças para “respirar na sala da Fono” em momentos de muita agitação e/ou cólera por parte dos pequenos.

A minha proposta inicial era a seguinte: cinco minutos antes da terapia, nos sentávamos em grupo (quatro pessoas ou em dupla) para alguns segundos de relaxamento e foco na respiração. Fazíamos a prática sentados no chão, de forma confortável (posição meditativa convencional), ou deitados em colchão tipo tatame. Para evitar muito estímulo para as crianças com transtorno de desenvolvimento global, a atividade não contava com música ou outros incentivos.

Foi o começo da minha experimentação com a meditação na escola. É importante deixar claro que não foi uma pesquisa para trabalho acadêmico, e sim uma iniciativa própria, instintiva, de ajudar o outro a encontrar os resultados positivos proporcionados pela meditação. Eu já imaginava esbarrar na questão religiosa, da qual me preparei para ter um cuidado absoluto. Os registros fotográficos foram poucos por conta da autorização de imagem.

O mais gratificante de trabalhar com crianças é a pureza e sinceridade de suas demonstrações. Não foram poucas as vezes que elas bateram na minha porta e perguntavam: “tia, posso entrar para fazer “aquela coisa de meditação”?

Pois é. Acho que deu certo. O caminho já começou a ser trilhado.

 

Texto de Ivana Santos. Fonoaudióloga. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen

 

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