Dharma e Presença

 

Não poderia começar esse relato de outra maneira, o Dharma está presente em minha vida em cada respiração consciente que realizo no momento em que estou vivendo. O Dharma sempre esteve ali, o problema era que eu não estava atento o suficiente para observá-lo. Na medida em que a prática foi inundando minha vida cada vez mais, me vi imerso em um novo universo, de muita atenção, cuidado e generosidade.

O principal efeito que percebi foi o avanço de uma compaixão ilimitada no tratamento das pessoas que atendo em minha clínica psicológica. Cada vez mais fui me dedicando ao tratamento daqueles que mais precisam de nossa ajuda, aqueles com transtornos mentais cujo estado psíquico está tão debilitado que suas vidas estão correndo sérios riscos. Apesar do desafio, me sinto profundamente realizado por ter a oportunidade de poder ser o apoio daqueles que já não conseguem observar novos caminhos em sua vida. É um sentimento poderoso, esse de se sentir tão importante na vida de alguém, mas o Dharma me revela, dia após dia, que na verdade aquelas pessoas é que estão sendo o meu apoio, que estão me dando um senso de significado pela vida que nunca tive acesso em outras áreas da vida. Todo esse sentimento poderoso poderia virar apenas mais uma maneira de alimentar meu eu, de enrijecer mais os alicerces que apoiam essa ilusão de uma identidade separada, imutável. Longe de ser um mérito pessoal, isso só não ocorre pois existe em minha vida grande influência das três joias.

Nunca me esqueço de uma oportunidade em que ouvi de Monge Genshō que nirvana e samsara são aspectos que estão contidos nessa mesma realidade que estamos vivendo. Longe de serem lugares diferentes, o que muda é a maneira como percebemos as coisas, nosso estado mental. Sem dúvida alguma, algo dentro de mim mudou para sempre desde que decidi trilhar esse caminho e a cada dia que passa estou observando ainda mais como são maravilhosos os frutos que colho por escolher atravessar os portais do Dharma. Lido com pessoas que, todos os dias, estão mergulhadas no que há de pior no samsara. O mundo para elas é permeado de um sofrimento insuportável, de um senso de autodestruição intenso e desistir da vida parece realmente o caminho mais natural. Foram com as lentes do caminho de Buddha que comecei a perceber, na prática, que ao oferecer generosidade e acolhimento a essas pessoas, elas também me aproximavam do nirvana. Para mim, isso é o que há de mais bonito na interdependência.

Qualquer tentativa de explicar o impacto do Dharma na minha vida através de palavras me parece uma tarefa impossível, até pretensiosa. A cada dia que passa sinto que a vida fica mais delicada, as coisas que antes tinham tanta importância não me parecem mais tão importantes e aquelas que pareciam banais adquirem uma importância muito maior agora. Ainda permaneço a mesma pessoa que sempre fui, mas diferente, agora capaz de enxergar a beleza e a compaixão que o mundo tem a oferecer para todos os seres.

 

Texto de Renato Oliveira. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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