Um retiro zen no mosteiro Morro da Vargem

 

Tudo começou quando numa dessas palestras online do sensei Genshô logo após a prática de zazen aos sábados pela manhã, um dos praticantes lhe perguntou onde se passava a história narrada em seu livro “O pico da montanha é onde estão os meus pés”, e sem definição exata ele disse que como se tratava de uma obra de ficção, poderia ser qualquer lugar, mas fez alusão ao Mosteiro Zen Budista Morro da Vargem em Ibiraçu, no estado do Espírito Santo, e deu detalhes deste mosteiro. Falou sobre a grande estátua de Buda às margens da rodovia, bem como manifestou uma grande admiração pelo abade daquele templo, o monge Daiju, que levou mais de 40 anos construindo aquele mosteiro.

Mal terminou sua palestra, fui com muita curiosidade até o YouTube para me certificar desse mosteiro. Quando vi os vídeos, fiquei encantado e como já tinha muita vontade de visitar um templo budista, decidi imediatamente que seria aquele e que no próximo sesshin oferecido pelo templo eu iria participar.

Passado pouco tempo, o mosteiro zen-budista Morro da Vargem lançou o retiro do feriado de Corpus Christi no seu site com todas as orientações e vários canais para tirar dúvidas. Fiz minha inscrição, cujo pagamento se dava da seguinte forma: 50% em depósito bancário e os outros 50% em espécie a ser pago no ato da entrada no mosteiro.

Passagens compradas, agora era hora de entrar no grupo de WhatsApp referente ao retiro para combinar carona; o próprio mosteiro fazia parceria com o pai de um dos praticantes leigos que tem uma frota de carros de tamanhos variados para fazer o traslado da capital (aeroporto ou rodoviária) até o local. Com duração de aproximadamente uma hora e quarenta minutos o trajeto, os motoristas são muito gentis e depois do retiro aceitam fazer até um tour pela capital. Foi o que eu e mais dois praticantes fizemos até chegar a hora de embarcar de volta para casa, sendo esse passeio cobrado por fora.

Antes de chegarmos ao mosteiro, passamos pela estátua do Grande Buda, o maior da América Latina e segundo maior do mundo, às margens da BR- 101. É uma emoção tão grande vê-lo tão perto, tudo tão lindo e inspirador, tudo muito bem cuidado: os jardins, lago e estátuas, tudo primoroso!

Do monumento do Grande Buda até chegar ao mosteiro, pode-se contemplar uma paisagem fascinante, mas entre o monumento e o mosteiro ainda se percorre de carro uma boa distância, além de ser uma subida muito íngreme, pois o mosteiro se situa no alto da montanha.

Ao chegar, já se pode deixar tudo certo com o motorista para o retorno. Eles são muito atenciosos e se comunicam sempre com a gente. Vale ressaltar que esse combinado é muito importante, pois no mosteiro não tem sinal de telefone e a internet é emprestada pelo mosteiro em uma necessidade, o que achei maravilhoso para fazer um “detox” de celular.

Dei meus primeiros passos por entre aqueles jardins, estátuas de Budas até chegar a uma ponte de madeira que fica ao lado do Grande Sino do Templo. Parei para contemplar mais um pouquinho aquela paisagem e observar o que tudo aquilo falava dentro de mim.

Atravessei a ponte e um caminhozinho de pedra me conduzia até a recepção. Chegando lá, fui recebido por uma senhora muito distinta e de um carisma irradiante: seu nome no Dharma jamais esquecerei, se chamava Daissen. Conversamos um pouco, paguei o restante e recebi as instruções. Fui conduzido até ao quarto, deixei minhas bagagens e fui passear por todos os lugares daquela maravilhosa estrutura, fazendo muitos registros fotográficos antes que o retiro começasse.

Enquanto eu passeava, podia conhecer outras pessoas do templo e também as que chegavam por lá para participar: umas estavam procurando pelo caminho espiritual e outras apenas por turismo, mas era muito importante eu perceber essas diferenças e poder me ver nas duas vertentes. Fiz amizades lindas, conheci experiências de vida de outras pessoas que me inspiraram.

O mosteiro é grandioso, os quartos de dormir são duplos e distribuídos por todos os lados da mata. Achava lindo quando na madrugada eu tinha que andar no claro da lua até ao banheiro, acompanhado pelo canto de pássaros que acordavam cedo. Às quatro horas da manhã ouvíamos o sino tocar e no frio da madrugada, com iluminação feita por aquelas lanternas de jardim japonês, descíamos com muito cuidado até chegar ao zendô para os primeiros zazens do dia. Depois nos dirigíamos até a sala de Buda para participar da choca e íamos intercalando os zazens com outras atividades ao longo do dia como práticas do rinzai, ioga e danças terapêuticas no jardim de Kannon Bosatsu, algumas horas para descanso, samu e contemplação individual e silenciosa. Por falar em silêncio, ele é praticado somente durante o dia; pode-se conversar antes do primeiro zazen do dia e depois do último zazen da noite.

A alimentação é farta, todos os produtos são orgânicos e produzidos ali mesmo no mosteiro, sendo algumas coisas trocadas com moradores vizinhos. As refeições são sempre seguidas de recitações e se faz uso do oryoki apenas para aqueles que ficam no retiro por oito dias, pois existe a opção de fazer o retiro por quatro dias, o que reflete na diferença de preço, mas muito pouca diferença.

Todas as atividades são realizadas com muita vitalidade, sendo que o ambiente físico interfere demais nas práticas: parece que as complementam tão fortemente que fluem emoções a todo tempo, trocamos experiências com budistas de outras escolas, com pessoas que não são budistas e com alguns budistas estrangeiros também. Foi muito rico em aprendizado esse tempo que passei por lá. A alegria e a história de vida do mestre Daiju, fundador do mosteiro, é linda e inspiradora, nos ajudando a sentir a alegria do Zen.

O banho é coletivo e no horário estipulado pela organização do retiro. Embora cada um tenha a sua cabine de chuveiro com portas para manter a privacidade do seu banho, alguém fica controlando a entrada e saída e devemos ser breves no banho para não deixar os outros sem seu banho também. Entramos e fazemos três prostrações e recitamos um verso para o banho, ao sairmos fazemos a mesma coisa. Tem também uma maravilhosa banheira de ofurô para quem quiser relaxar mais um pouco.

O que trago de muito relevante como aprendizado é que, a exemplo do mestre Daiju, podemos fazer muito, que a prática do Dharma de Buda é sem borda para quando passamos a desintegrar o nosso egoísmo e nos reintegramos nas ações mais auspiciosas possíveis. Ao mestre Daiju, nove prostrações profundas. Gasshô!

 

Texto de Fábio Chaves Brito. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

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