Todo Final É Um Novo Começo

 

 “Encontrei um viajante vindo de uma antiga terra

Que me disse: — Duas imensas e destroncadas pernas de pedra

Erguem-se no deserto. Perto delas, sobre a areia

Meio enterrado, jaz um rosto despedaçado, cuja carranca

Com lábio enrugado e sorriso de frio comando

Dizem que seu escultor soube ler bem suas paixões

Que ainda sobrevivem, estampadas nessas coisas inertes,

A mão que os escarneceu e o coração que os alimentou

E no pedestal aparecem estas palavras:

“Meu nome é Ozymandias, rei dos reis:

Contemplai as minhas obras, ó poderosos e desesperai-vos!”

Nada mais resta: em redor a decadência

Daquele destroço colossal, sem limite e vazio

As areias solitárias e planas se espalham para longe. ”

Ozymandias, Soneto de Percy Shelley

 

Conheço muitas pessoas que se sentem terrivelmente melancólicas ao perceber as mudanças que existem na vida de todos nós. Com o tempo vemos que tudo está sujeito ao efeito devastador do tempo. Muitas vezes não temos uma mente treinada o suficiente para perceber como nossa vida mudou e qual o papel de nossas ações no fluxo dos eventos.

Dessa maneira, geralmente dominados pela mente dual, queremos que algumas mudanças ocorram rapidamente, para nos livrar de alguma situação desagradável, queremos que certos aspectos atuais da nossa vida nunca acabem. Dessa maneira, só conseguimos cultivar o desespero e a frustração em nossa mente, adoecendo, pois, a impermanência é um aspecto inerente à existência.

Um aspecto fundamental para construirmos uma vida com mais saúde mental é aceitarmos a impermanência e irmos além do apego e da aversão. Quando conseguimos treinar nossa mente para viver a impermanência com intenção conseguimos dar o primeiro passo para encontrar a harmonia que existe dentro de cada um de nós.

Se olharmos atentamente para o início e o final das coisas com uma mente atenta podemos perceber que essa é uma questão tão ilusória quanto a construção do “eu” que morre e nasce. O nascimento está longe de ser o início e a morte longe de ser o final quando nos desapegamos do conceito de “Eu”.

Quando ficamos presos em ciclos de início e fim em nossa vida passamos a classificar as coisas dessa maneira e perdemos os presentes que a vida nos dá. O verso do mopan é uma ótima lição para entendermos essa questão, pois diz que “[…]a vida rapidamente se esvai e a oportunidade se perde”. Uma das chaves para ter saúde mental em nossas vidas é aprender a fazer parte das mudanças, não desperdiçarmos nenhuma oportunidade.

Orgulho, raiva e tudo aquilo que pode vir a envenenar nossa mente logo perdem sentido quando nos conectamos com a mudança e percebemos que somos parte dela. Não faz sentido cultivar a vaidade, o orgulho, visto que tudo que construímos sobre isso é muito frágil, se perde e vira areia diante da ação do tempo.

Não nos apeguemos a ideias como “eu sou assim e pronto”. Perguntemos: “estou lutando com as mudanças na minha vida ou estou aproveitando as oportunidades que elas trazem consigo? ”. Não podemos esquecer que somos, nós mesmos, parte da impermanência e que ela não precisa ser sua inimiga. Que possamos convidar a mudança em sua vida para se sentar e tomar um chá e vejamos esse aspecto de nossas vidas se tornar um bom amigo.

 

Texto de Renato Oliveira, psicólogo e terapeuta clínico. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

 

 

Pin It on Pinterest

Share This