Sorrir para o Seu Chá

 

“Sorria para a nuvem em seu chá… e para os rios, as montanhas e a si mesmo também”.

Dentro da tradição budista de Plum Village, há uma meditação pela qual tenho muito carinho e posso afirmar sem medo que é uma prática amada por toda comunidade de alunos do mestre Thich Nhat Hanh, tanto monásticos, como leigos: A Meditação do Chá.

Mestre Thay costumava dizer que sempre é um bom momento para uma xícara de chá. Ele dizia isso não apenas porque apreciava um bom Genmai (e ele realmente amava!), mas também pela oportunidade de prática que um chá, quente ou gelado, pode nos oferecer. Uma xícara de chá bebida em plena consciência é uma meditação por si só.

Quando nos sentamos com um copo de chá em mãos, sem nos perder em pensamentos sobre o passado e ansiedades pelo futuro, o chá se torna um objetivo de atenção poderoso. Livres de toda barulheira interna, de todo controle ou preferências, somente nós mesmos e o chá, podemos desfrutar da felicidade além das condições.

Pode parecer um exagero dizer que levamos de quarenta minutos à uma hora apenas bebendo um pequeno copo de chá ou café, mas essa é a prática que nos solta do passado e do futuro e nos põe em contato com o rio da vida que chamamos momento presente. Um chá da manhã ou da tarde é um compromisso com hora marcada, um encontro com a felicidade de estar vivo.

Em plena consciência podemos realmente desfrutar de uma xicara de chá, sentir sua textura, sua temperatura, seu aroma e sabor. Um chá em plena atenção é uma porta aberta para toda vida dentro de nós e ao nosso redor.

Ao não nos deixar distrair e permanecer apenas com o copo em nossas mãos, apreciando cada gole, a cor, o vapor que exala ou a xícara que se embaça com nossa respiração próxima, um chá deixa de ser apenas uma louça ordinária repleta de líquido e se torna um milagre.

Quando o silêncio se estabelece em nossa consciência e somos capazes de olhar em profundidade para o chá, a verdadeira natureza deste tem a oportunidade de se manifestar: a natureza vazia de um copo chá. Vazia de existência separada, mas repleta de todo cosmos!

Thich Nhat Hanh dizia para sorrir para a nuvem que mora em nosso chá, mas podemos sorrir também para as montanhas, os rios e o sol que dançam diante dos nossos olhos na fumaça que flutua, no líquido dourado que balança.

O chá é uma obra-prima do universo em uma casca de nós, em um copo de vidro ou porcelana. Contemplando nossa bebida, podemos ver todos os ancestrais do chá. A nuvem que se converteu em chuva e alimentou os rios e nascentes. Os rios que irrigaram os campos onde dormiam as sementes do chá, plantadas pelas mãos amorosas do agricultor. Podemos ver ainda a Mãe Terra que nutriu a semente, o Pai Sol que aqueceu o mundo e tornou possível as estações, a chuva, o plantio e a colheita.

Olhando dessa maneira, podemos ver a infinita cadeia de causas e condições que levou aquele chá às nossas mãos. Cada trabalho duro, cada gesto de generosidade, cada doação da natureza. A gratidão assim brota espontaneamente em nós pela oportunidade de receber o alimento e podemos contemplar nossa responsabilidade em cuidar do planeta para que todos os seres possam ter acesso a uma xícara de chá, uma xícara de felicidade.

Thay dizia que não há outra forma de beber seu chá. Se você faz sua refeição ou toma sua bebida em meio às atividades e sem atenção, você não está bebendo seu chá, você está bebendo e comendo apenas suas preocupações, seus pensamentos, suas ansiedades.

Só é possível beber nosso chá se estivermos presentes pra ele, e ele para nós. Se pudermos olhar e ver a maravilha em nossas mãos. E mesmo quando o copo já está em nossas mãos, nosso professor nos diz que ainda falta um elemento para que ele se torne totalmente real: nossa consciência.

Assim como sorrimos para o ciclo da natureza, agora podemos sorrir para nós mesmos ali dentro do chá. Nós estamos ali também e nossa presença é essencial para que ele também esteja ali e seja real.

Com essa visão, podemos encontrar na meditação do chá uma oportunidade de prática muito rica e nutritiva, a nos reconectar com o momento presente e a vida sem deixar que ela passe por nós sem sabor ou aroma, como um borrão de inconsciência.

Experimente.

Convido todos a apreciar em profundidade sua xícara de chá.

Breves Instruções Para a Meditação do Chá:

Com plena consciência escolha a xícara que usará e coque-a a sua frente, em posição para ser cheia.

Decida qual chá será preparado e ponha a água para ferver.

Enquanto aguarda a fervura, sente-se tranquilamente e pratique uma breve meditação, acompanhando sua inspiração e expiração, sentindo a barriga enquanto ela sobe e desce, enquanto o ar entra e sai pelas narinas, suavemente. Esses pequenos instantes de respiração consciente antes de uma xícara de chá vão acalmá-lo e alimentar sua energia e presença.

Com reverência e total atenção, coloque o chá na xícara ou bule e despeje a água recém-fervida sobre ele. Deixe em infusão por aproximadamente três ou quatro minutos.

Novamente sente-se perto dele e traga sua atenção para sua respiração pacificamente.

Quando o chá estiver pronto, beba-o em plena consciência, como se a xícara de chá fosse o objeto mais importante do mundo, o eixo sobre o qual sua vida se move.

Sem pressa ou pensamentos, aprecie seu chá com movimentos lentos e suaves. Curta o momento.

Pegue a xícara com as duas mãos, carinhosamente e sinta o calor se espalhar por sua pele. Sinta o aroma, o sabor, a doçura e a delicadeza da bebida. Observe com olhos maravilhados o vapor, a cor, as mãos segurando o copo.

Esteja presente e aberto para o seu chá.

Esteja ali. Se você se perder em pensamentos e análises, perderá toda experiência e, quando se der conta, o chá terá desaparecido, assim como a vida e o milagre disponível a você.

Desfrute.

Texto de Raoni Cintra Carvalho, da Sangha @zenmantiqueira (ligada à tradição de Plum Village).

 

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