Entrevista com Monge Mokugen,  do Templo Zen das Alterosas

 

Mineiro nascido em 1952 na cidade de Espinosa, dentista formado pela Universidade Federal de Minas Gerais, exerceu a odontologia por 10 anos e em 1991 partiu para o Japão, onde viveu e fez treinamento monástico por 22 anos. Em novembro de 2013 retornou para o Brasil como missionário enviado pela escola Sōtō Zen do Japão, e é considerado uma das maiores autoridades de Zen no Brasil. É o abade que dirige o Templo Zen das Alterosas.

Mokugen Sensei, abraçando o nobre sonho de fundar um templo no Brasil, com determinação e paciência dedicou esforços imensuráveis não só no treinamento espiritual, mas também na parte material para a aquisição do imóvel do templo. Durante 15 anos, incansavelmente, fez a prática do Takuhatsu (mendicância) no Japão.

Concretizou o sonho de fundar o templo, que está em pleno funcionamento. O próximo sonho é continuar sentando Zazen junto com brasileiros, propiciando assim a possibilidade de despertar a natureza original que já existe em cada um, eliminando os sofrimentos e redescobrindo a sabedoria e a alegria de viver.

O senhor pode nos contar um pouco sobre sua família e sobre sua vida antes do ?

Monge: Eu sou de uma cidade do interior do norte de Minas, chamada Espinosa, uma cidade pequena,  de trinta e poucos mil habitantes. Família tradicional da cidade, meu pai era fazendeiro, vamos dizer assim. Cidade pequena, trabalhava com lavoura e morava na cidade. Meu pai era juiz de paz na cidade e eu me formei em odontologia, aqui em Belo Horizonte, na Universidade Federal de Minas Gerais.

Como o senhor descobriu o Budismo e, em particular,  o Zen?

Monge: Eu acho que nos move é a curiosidade, e, principalmente, o que é a vida, o que é a morte. Para mim, foi o dilema: o que é a vida, e o que é a morte?

Durante os estudos universitários. Fiz odontologia pelo UFMG e já tinha essas questões filosóficas: o que é a vida, o que é a morte? Então isso me intrigou muito e um belo dia eu fiquei conhecendo um monge zen budista chamado Mestre Tokuda e procurei contato. Comecei a fazer retiros, meditações. Também comecei a fazer terapia, eu estava sentindo que estava precisando de uma terapia e uma busca espiritual. Então foi o momento que eu achei que tinha que partir para um caminho de transcendência. Sobre as questões da vida e da morte, o que é vida, o que é morte e a procura de uma transcendência, então encontrei o Zen, o meu caminho.

Eu vejo hoje em dia que tem várias linhas. Eu caí na linha, sem precisar mudar. Eu caí direto no Zen. Não vou falar a melhor, mas eu caí na linha que eu ainda considero o caminho mais correto, mais profundo.

E como foi a reação da família diante disso?

Monge: A princípio muitos irmãos não me recomendavam.

Sua família é de outra religião?

Monge: Católica, eu fui católico, estive num seminário quando era jovem. Quando tinha dez, onze anos,  estive num seminário em Montes Claros. Eu ajudava na igreja, aquela coisa de criança, ser coroinha, e frequentei até um seminário, mas não gostei. Fiquei quase um ano. Mandei uma carta para meu pai vir me buscar, lá em Montes Claros. Terminei o ginásio, vim fazer o científico (chamava científico) aqui em Belo Horizonte, eu queria estudar de todo jeito.

O senhor pode falar um pouco sobre seu treinamento no Japão?

Monge: Sobre a decisão de partir, eu consultei o meu mestre e perguntei: “Como se faz para separar de pai e mãe? ”. Eu lembro que ele me falou assim “Se for para se tornar monge, o caminho monástico, geralmente pode separar, porque depois você vai resolver com pai e mãe e ajudar mais ainda”. Agora, se não for por um caminho monástico,  não podemos abandonar pai e mãe, é regra budista, mandamento budista, não pode abandonar pai e mãe. Mas abandonar, no sentido do caminho monástico,  pode, porque você está fazendo um treinamento, você pode ajudar pai e mãe muito mais do que se você ficar, você pode cortar esse laço. Acontece que nunca se corta, você corta uma parte, mas sempre depois você recupera tudo isso. O Japão foi uma experiência muito rica. Um mundo totalmente diferente. Eu fiquei vinte e dois anos lá, foi uma vida totalmente diferente. Se olhar para aquele mundo, os ideogramas japoneses, os chamados kanjis, a linguagem, a comida, a cultura, o outro lado do mundo, o oriente. O inconsciente coletivo é totalmente diferente daqui. No começo, claro, eu tive muita dificuldade para me adaptar com a alimentação, o japonês, a língua, eu sabia muito pouco. Fiquei estudando um certo período.

Eu fui diretamente para um templo. Mestre Tokuda me mandou para o templo de um amigo dele. E aí eu fiquei no templo, havia eu, tinha um argentino, e aí chegou um brasileiro, muitos brasileiros voltaram, não se adaptaram. Tinham monges também brasileiros, esse mestre recebia vários estrangeiros, de vários países. Eu fiquei num templo chamado “I On In”  é um templo na cidade de Nagoya. Um templo bacana, novo. Ficávamos no templo, acordava cedo, todo dia, fazia limpeza no templo, estudava o japonês, o meu mestre trabalha, é professor de religião na faculdade, lá em Nagoya. Ficávamos estudando, eu só fui ao templo oficial depois de três anos que estava lá.

Fazia zazen e retiro no templo mesmo. Chegou uma época de fazer zazen até de cinquenta minutos, o normal é fazer de quarenta minutos. Já teve uma época de fazer, muitos retiros, zazen todo dia, vida monástica, e muito assim restrita, não podia imaginar sair à vontade, sozinho. Além de não saber a língua, a gente estava todo envolto ali numa obrigação de peso. Era um treinamento assim, não era o oficial ainda recebemos o documento, mas já era uma preparação para ir para o templo oficial, que é o templo de Eiheiji, no qual eu fui depois de três anos em que eu fiquei lá.

A língua japonesa é altamente complexa. Muito difícil, tem aqueles ideogramas, também eu não sou rápido para aprender. Mas dizem que as pessoas que aprendem devagar,  não esquecem. Foi assim. Depois de três anos eu fui ao templo Eiheiji, mais ao norte do Japão, chama estado de Fukui, província de Fukui onde fica o templo de Eiheiji: muita neve, duzentos e tantos monges, eu era o único estrangeiro. Foi muito difícil porque é muito frio, muita disciplina, muitos trabalhos para fazer, cada um tem que cuidar de suas próprias obrigações, você administrar sua própria saúde.

Cada um tem que tomar os devidos cuidados para não adoecer e cumprir suas obrigações de acordo. É muita coisa para aprender, é sutra para decorar, participar das cerimônias, é muito trabalho. Eu fiquei na cozinha no templo de Eiheiji. Acordava antes das três horas da manhã. Ia dormir onze horas da noite. Fiquei na cozinha lá também um período. É um mundo de atividades muito intenso.

Algum momento o senhor pensou em desistir?

Monge: Ah, eu pensei, mas eu falei “não vou desistir não”. E eles são severos, bravos…. Chega-se a apanhar lá. Batia-se nos monges mais novos ás  vezes. Porque eu cheguei um pouco mais velho, eu fui com trinta e oito anos, mas, mesmo assim,  eram muito severos. Cheguei a “ah, vai embora, vai embora, vamos te mandar embora”.  Eu morria de medo de voltar fracassado. “Se eu voltar fracassado eu vou me arrepender para o resto da minha vida, eu não volto, hei de superar e um dia vou achar graça de tudo isso”. Então eu fiz essa promessa, desde o primeiro dia que eu cheguei no Japão, eu entrei no templo, eu fiz sanpai, as três prostrações. Meu mestre lembrou depois, antes de eu ir embora “eu lembro quando você chegou aqui, você fez três prostrações no templo”, eu estava fazendo promessa de ir e voltar com saúde e ele disse “eu tiro o chapéu”, então isso tudo dá uma satisfação para a gente.

Eu fiquei três anos nesse templo lá em Nagoya. Depois eu fui para Eiheiji e fiquei um ano, que é a matriz. Depois eu fui para outro Eiheiji que fica em Nagoya, são três Eiheiji, a matriz é essa que eu fui em Fukui primeiro, depois eu fui para a filial de Nagoya e fiquei três anos. Ficava no mosteiro, na cozinha, no templo, participei de tudo: estudar muito, cerimônias e tudo. Depois me mudei para a filial de Tokyo, fiquei lá mais um ano e meio. Ao todo, na vida monástica eu fiquei cinco anos e meio frequentando templos. E depois que terminei fui para Nagoya, voltei para meu mestre,  morei no templo, ele tinha um templo na cidadezinha de Uchita, eu fiquei esse tempo lá. Também ficava nesse templo I On In. Eu ficava ajudando nos dois templos e depois esse mestre meu morreu, que era abade do templo I On In. O primo dele assumiu o templo e eu fiquei ajudando também. Depois com o tempo eu fui morar em Nagoya,  em um apartamento, depois de dez, doze anos. Eu fui morar em um apartamento de um outro mestre meu, mestre de batalha do Dharma, Hossenhiki. Eu fui morar lá e comecei a fazer Takuhatsu,  que é a prática de mendicância, aquela que você vai na rua, com chapéu e você recebe doações. Todo o dinheiro que eu recebi eu guardei e mandava aqui para o Brasil. Eu tinha fundado uma associação, a Associação Cultural Oriente-Ocidente.  Com o dinheiro que eu fui mandando, acabei comprando aqui esse templo.

E lá o senhor só vivia com o dinheiro que o senhor recebia das pessoas na mendicância?

Monge: É, eu fazia essa prática que se chama Takuhatsu, mendicância. E eu vivia com ela e alguns monges me chamavam para ajudar em cerimônias, funerais, eu tinha amigos no Japão, fiquei muito conhecido lá. Eu vivi lá, mandei todas essas imagens, fui mandando, porque eu tinha já o plano de fazer um templo aqui no Brasil. Com esse dinheiro que eu recebia das mendicâncias, mandei para cá, ia mandando também as imagens, já tinha uma Sangha aqui, uma associação. É,  eu tinha um discípulo aqui, o Gustavo.

Como foi esse sonho de construir esse templo?

Monge: Eu comprei uma casa, fizemos a reforma e depois de um certo tempo eu retornei ao Japão. E depois eu voltei para o Brasil e nós fundamos o templo. Eu voltei em 2013, em 2014 nós inauguramos. Saikawa Roshi veio, fizemos a festa. Ele era o abade de São Paulo, o Sookan.

Fora das funções de abade do templo, como reverendo, como o senhor tem uma carreira profissional paralela ou não?

Monge: Eu sou muito ocupado, o tempo não dá para fazer as coisas. Por exemplo,  tenho muito material para traduzir, publicar, mas eu não tenho tempo, como eu comecei pelo mais difícil, que são esses dois poemas, está me tomando muito tempo. Eu me dedico só às atividades do templo, não tenho outro trabalho. Tem uma aposentadoria, é pouco,  mas dá para se manter. E um monge geralmente não tem muito gasto, já que aqui eu não pago aluguel, já é mais tranquilo. Pagar aluguel aí complica. Eu me dedico quase que  exclusividade às atividades monásticas. Por exemplo, todo sábado nós temos zazen presencial às 19h. Todo domingo, às 18h50,  temos o zazen virtual, o dominical é virtual. Antes tinha quinta-feira, dia de semana, mas aqui na cidade, é um templo na cidade, né? As pessoas às vezes não têm um tempo de vir. Inclusive nossos retiros são pequenos, faço mais sábado e domingo. Às vezes faço um zazenkai de sábado. Aparecem algumas outras atividades, casamento budista.

O senhor oferece outras atividades para a comunidade?

Monge: As mais solicitadas são casamento budista, cerimônias de purificação de ambiente, vai na casa fazer purificação, são atividades que a gente faz, funerais, funerais humanos fiz alguns também, para animais também fazemos aqui. Tudo que foi possível trazer do Japão, que eu fazia lá, eu faço aqui.

O que o senhor poderia deixar uma mensagem aos leitores?  

Monge: Que procurem o caminho que vocês acreditam e que se adaptem a ele. No meu caso eu me adaptei plenamente ao Zen Budismo. Por exemplo, fui seminarista,  mas não me adaptei ao catolicismo. Tentei, mas não consegui ficar plenamente satisfeito. O zen budismo é uma religião, uma filosofia alguns falam, muito profunda, de uma profundidade muito grande, e que cada um experimente essa profundidade por si próprio. Buda nos ensinou que devemos provar por si próprio s essa profundidade do budismo. E conceito de vacuidade no budismo é uma coisa maravilhosa, que todas as coisas são vazias. Isso salva a gente de qualquer sofrimento, de qualquer egocentrismo. Então eu acho que cada um deve comprovar por si próprio e treinar e realizar isso em vida. Não esperar  depois da morte não tem mais jeito. Realizar isso em vida e uma vida feliz e com saúde que o zen nos proporciona, quando realmente nos entregamos. Mas é necessário um treinamento, é necessária uma entrega e essa transcendência para obter os benefícios dos ensinamentos budistas.

Mokugen Sensei (esquerda) e Fukuyama Taihō Zenji (direita), o superior de Eihei-ji.

E uma mensagem para aqueles que aspiram a ser monges?

Monge: É um caminho saudável para se seguir. Recebemos essa vida da grande natureza. Ordenar é nos firmar num caminho de transcendência, mais cedo ou mais tarde a gente tem que trilhar, não tem jeito. É muito bom ser ordenado, e aqueles que pretendem devem ordenar. E seguir de uma forma tranquila e serena, não é muita nem pouca coisa, muito antes pelo contrário. Levar uma vida tranquila, com responsabilidade, mas a responsabilidade é vazia. Uma vida sossegada, serena e tranquila. Não quer dizer que não há qualquer preocupação.

 

Entrevista realizada por Martha Benites. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

 

 

 

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