Entrevista com Barry Magid: Fundador da Ordinary Mind Zendô

 

Nesta edição tivemos a alegria de entrevistar Barry Magid, psiquiatra, psicanalista e professor Zen praticando e ensinando na cidade de Nova York. Ele formou-se na Universidade da Pensilvânia (1970) e na Universidade de Medicina e Odontologia de Nova Jersey (1975). Atualmente faz parte do corpo docente e oferece supervisão por meio do Instituto de Psicoterapia Contemporânea e do Centro de Estudos Relacionais Stephen Mitchell. Também faz parte do conselho executivo da Associação Internacional de Psicanálise e Psicoterapia Relacional (IARPP).

Ao longo dos anos de treinamento e prática analítica, também buscou treinamento no Zen Budismo, culminando em receber a Transmissão do Dharma de Charlotte Joko Beck, como professora Zen, em 1998. Atualmente é professor-fundador do Ordinary Mind Zendo, em Nova York, onde continua ensinando e praticando. Ao longo dos anos, publicou vários artigos e vários livros sobre a integração da psicanálise e do Zen, entre eles estão: Mente comum: explorando o terreno comum do Zen e da psicanálise, Acabando com a busca da felicidade e Nothing Is Hidden: The Psychology de Zen Koans.

Seu livro mais recente, Dando Fim à Busca da Felicidade: Guia do Zen-Budismo, foi traduzido para a língua portuguesa com ajuda de Adriana Couto Silva. O livro é parte de um entendimento profundo da essência do Zen e da psicanálise. Ele sistematicamente expõe e desmantela as fantasias sutis que nos mantêm presos em nossas tentativas fúteis de transcender a condição humana. Magid fala com uma voz autêntica que é sábia, astuta e subversiva.

Nesta entrevista conversamos sobre seu caminho no Budismo, a inspiração para a fundação do Ordinary Mind Zendo e sobre a publicação de seu mais novo livro.

 

Poderia nos contar como a sua formação de médico psiquiatra e psicanalista se relaciona com a sua prática budista?

Barry: Eu cheguei à idade adulta na década de 1960, quando transformações pessoais e políticas pareciam andar de mãos dadas. Nós estávamos lendo psicanalistas da esquerda, como Erich Fromm e Wilhelm Reich e filósofos como Herbet Marcuse e Norman Brown. Eles criticavam a sociedade e a estrutura de caráter conformista e autoritária da época. E ainda, naquela época, tínhamos os escritores da contracultura como o Beats – Jack Kerouac, Allen Ginsberg, e Gary Snyder – que viam o budismo como não somente uma forma de transformação pessoal, mas como também um guia para uma forma de vida menos convencional. Desde cedo, eu quis colocar estas ideias diferentes em um diálogo e perguntar o que estas formas diferentes de transformação tinham em comum e como elas poderiam influenciar uma à outra. Felizmente, eu tive a oportunidade de fazer a minha formação psicanalítica com um grupo de psicanalistas que foram treinados com a Karen Horney, juntamente com Fromm, que engajaram-se em diálogos com o mestre Zen D.T. Suzuki e eram simpatizantes deste tipo de encontro entre ocidente e oriente.


Pode compartilhar conosco a sua visão do Zen?

Barry: Minha visão do Zen e minha visão de psicanálise andam de mãos dadas. Ambas são disciplinas que nos desafiam a focar em nossas experiências de momento a momento à medida em que elas surgem e, especialmente, com aqueles aspectos das nossas experiências que ordinariamente tentamos evitar. Psicanalistas usam o relacionamento como um recipiente (container) para estas emoções e como um laboratório experimental para trazê-las à tona. Zen usa a disciplina da meditação sentada em grupo e o aprendizado com o professor para também trazer à tona aspectos escondidos da mente. Eu diria que psicanálise permite o que é doloroso, gerador de ansiedade, e vergonhoso emergir em uma nova luz de reconhecimento e aceitação. Já o Zen se foca na completude da experiencia, de sua perfeição, até mesmo no meio de situações que imaginamos dolorosas, ocultas ou insuficientes.

 

O que o inspirou você a fundar o Ordinary Mind Zendo? Principalmente considerando a perspectiva da prática cotidiana dos praticantes leigos?

Barry: Ordinary Mind Zendo ensina que nós não temos que ir a locais especiais como os mosteiros para praticar o Zen, mas que o Zen pode ser encontrado e praticado no meio da nossa vida cotidiana, familiar e profissional. Na verdade, é a vida cotidiana que nos proporciona a melhor oportunidade para olharmos para a nossa necessidade de controlar, evitar e consertar tudo aquilo que não está como imaginamos – tudo que fazemos para evitar viver nossa vida tal qual ela é. Como estar em terapia ou análises, nós nos comprometemos a manter uma prática regular e contínua que precisa se encaixar com o resto da nossa vida.

 

Seria possível sintetizar em poucas palavras a ideia fundamental no seu livro, Dando Fim à Busca da Felicidade: Guia do Zen-Budismo?

Barry: A ideia básica do Dando Fim à Busca da Felicidade é que com demasiada frequência as mesmas coisas e práticas que buscamos em nome de autoaperfeiçoamento ou felicidade, relacionam-se com a nossa noção de que há algo faltante ou inadequado onde nos encontramos hoje. Nós nos colocamos em infinitas esteiras ergométricas de autoaperfeiçoamento, enquanto o que deveríamos fazer é parar, deixar que tudo simplesmente seja tal como é, e realmente se conectar com o momento e experenciá-lo, sem se importar com o seu conteúdo. Nossas vidas estão muito instrumentalizadas – tudo é um meio para algum fim – nós estamos sempre perseguindo o horizonte. Zen oferece uma alternativa para esta forma de pensar que tudo é um meio para algum fim. Nós não estamos tentando nos tornar um Buda quando sentamos quietos em meditação. Nós somos Buda a todo momento – tudo é simplesmente o que é.

 

Agora em julho ocorreu o lançamento do livro em língua portuguesa do Brasil. O que o motivou a traduzi-lo para o português?

Barry: Eu tenho sido muito grato por ter estudantes de todas as partes do mundo querendo conhecer a proposta da Ordinary Mind. Meus estudantes de longa data, como Adriana Couto Silva, que veio estudar comigo nos Estados Unidos, traduziu o meu livro para o português com intuito de transformar essa experiência em uma forma para ela se engajar no texto e expressar sua compreensão do que aprendeu comigo, transmitindo o aprendizado para a sua língua nativa. Eu espero que a comunidade budista do Brasil possa me ver e ver os meus ensinamentos por esta tradução.

 

Para as pessoas que ficaram com vontade de conhecer mais sobre o Ordinary Mind Zendo, sobre os seus livros e sobre você, onde elas poderiam encontrar mais informações?

Barry: A pandemia fechou várias portas de oportunidades para praticarmos juntos e presencialmente. Porém, pela plataforma Zoom, novas portas foram abertas, permitindo-me falar e encontrar estudantes de todas as partes do mundo. Nós continuaremos com a rotina de sentar e oferecer palestras do Dharma online pelo o seguinte link: ordinarymind.com. Eu espero que nossa sangha continue sendo internacional e multicultural e que estudantes como a Adriana possam ser intermediários entre mim e os estudantes que talvez nunca me encontrarão pessoalmente.

 

Poderia deixar uma mensagem final aos leitores do nosso jornal Budismo Hoje?

Barry: Zen Budismo é, de certa forma, bem simples. Nós simplesmente nos sentamos em silêncio, sentimos o nosso respirar, experienciando o nosso corpo/mente um momento após o outro. Porém, isso é TÃO simples que as pessoas não confiam nesta simplicidade – elas sempre pensam que não estão fazendo isso certo, deve haver mais que isso, não teria que algo mais acontecendo? Eu espero que o meu livro ajude as pessoas a confiarem no seu sentar, confiarem neles mesmos, no momento, o que quer que este momento possa ser…

 

Nota: Adriana Couto Silva, juntamente com Cristina Guidorizzi, traduzirá um outro livro de Barry Magid intitulado “Nada está Escondido: A Psicologia das Koans Zen,” (Nothing is Hidden: The Psychology of Zen Koans). Aguardem!

 

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