Entrevista com Monge Joken

Alimentação e Vivência nos Mosteiros – Parte I

Nesta edição tivemos o prazer de conversar com jovem monge Venerável Giuliano Jôken, da Soto Shu Sogo Kenkyu Center (Centro de pesquisas e estudos da Soto Shu), que nos contou um pouco sobre os hábitos alimentares dos diferentes mosteiros pelos quais passou durante sua jornada no Budismo.

 

Com relação ao contraste cultural, entre Brasil x Japão, quais as maiores dificuldades que você passou quando foi pela primeira vez ao Japão?

Monge Jôken – As principais dificuldades para qualquer estrangeiro que vem pro Japão pela primeira vez são: o idioma, a cultura e a imagem sobre o treinamento que é criada antes de iniciar a prática. Isso é inegável. 

Desde muito pequeno, gosto muito da cultura japonesa de um modo geral, algo que sempre me fascinou desde as minhas primeiras memórias. As artes marciais, o taiko (tambores japoneses), a caligrafia, as artes visuais; tudo isso sempre me influenciou desde muito pequeno. Por exemplo, comecei a praticar artes marciais muito cedo, já aos três anos de idade.

Também tive a oportunidade de estudar o idioma japonês antes mesmo de me tornar monge, aos dezessete ou dezoito anos. Mas mesmo tendo frequentado uma escola de língua japonesa por três anos e ter convivido com a comunidade nipo-brasileira por um certo tempo, ainda assim tive bastante dificuldade com o idioma no início da minha estadia aqui no Japão. 

Em meio a comunidade nipo-brasileira, eu até podia me comunicar em japonês com uma certa facilidade, entretanto, quando vim para o Japão pela primeira vez, foi tudo muito difícil: o primeiro mês eu passei praticamente mudo! (risos).

Durante a minha primeira estadia em um mosteiro japonês, não havia nenhum outro estrangeiro além de mim, o que foi um tanto difícil. Mas foi justamente por conta dessa condição que eu pude desenvolver o idioma, e aos poucos me comunicar com mais facilidade com os demais monges.

Outra questão que pode ser uma dificuldade é a cultura japonesa. A cultura japonesa é muito diferente do que a gente imagina e do que a gente está acostumado a ver pelos meios de comunicação. Devido ao contato que tive com a comunidade nipo-brasileira, eu já havia me acostumado com certas características e costumes, mas mesmo assim, haviam coisas muito diferentes do que eu sequer poderia imaginar.

Um exemplo é o modo de lidar e realizar um determinado trabalho. A metodologia que os japoneses aplicam a certas atividades e trabalhos do dia-a-dia é muito diferente da maneira como nós brasileiros acabamos desenvolvendo. Além disso, a hierarquia social e a relação entre os membros de um grupo é completamente distinta da maneira como estamos acostumados aí no Brasil. Existem detalhes na maneira como você se dirige a uma pessoa hierarquicamente superior ou inferior, tendo palavras e expressões completamente diferentes para cada pessoa com que você conversa, algo muito distinto para nós ocidentais.

E o terceiro ponto, que também é sempre um choque muito grande para os ocidentais que vem praticar aqui no Japão, acontece devido a imagem que se cria de como é a prática do zen em um mosteiro. A ideia que nós adquirimos no ocidente de como é a vida num templo de treinamento é muito distinta do que de fato é. E por conta da não adaptação cultural e da dificuldade com o idioma, estes equívocos persistem até mesmo em pessoas que já vieram para os mosteiros japoneses e retornaram aos seus países de origem. É uma questão de dificuldade em se aprofundar neste universo.

E sabendo destas três dificuldades principais que os estrangeiros possuem ao praticar aqui, tenho o desejo de poder construir uma melhor conexão entre o Japão e o Ocidente. Muitos ocidentais têm a vontade de praticar em um mosteiro para completar todos os processos de formação, mas as dificuldades com o idioma e com a cultura acabam desencorajando muita gente. Se existir alguém in loco que possa contribuir com esse intercâmbio e adaptação, acredito que muito mais pessoas poderão desfrutar da possibilidade de praticar em um mosteiro oficial da Soto.


Giuliano Joken san

Com relação a etiqueta durante as refeições nos templos em que você já passou, são muito diferentes uma das outras, seguem o mesmo procedimento, o mesmo ritual todos os dias utilizando os Oryoki?

Monge Jôken – Nos mosteiros em que frequentei e nos templos em que eu tive a oportunidade de visitar, de maneira geral, todos possuíam procedimentos bastante próximos para o manuseio do oryoki. 

Entretanto, não são muitos os templos e mosteiros que podem usar o oryoki todos os dias ou em todas as refeições, por exemplo. A maior parte dos mosteiros e templos são cheios de atividades de todo tipo, além de atualmente sofrerem com a falta de monges e praticantes. Isso implica em um número de pessoas insuficiente para fazer o trabalho de preparar (saiju, wanju, hanju, tenzo, etc.) e de servir a comida (jonin) enquanto os demais possam fazer todo o procedimento com os oryoki durante a refeição.

Alguns lugares como Kasuisai, primeiro mosteiro em que pratiquei, por exemplo,  acabam adaptando alguns procedimentos na hora de usar o oryoki. As tigelas são usadas de maneira um pouco mais simplificada e apenas pelas manhãs, ou então usando-as apenas durante os períodos de sesshin (retiros). Em certas ocasiões, dependendo do que é servido, usamos até mesmo garfos ou colheres.


Monge Joken e Elaine Kôhô, praticante na Daissen Ji

 

E o cardápio?

Monge Joken – Existe um um mestre responsável pela cozinha, cujo cargo recebe o nome de tenzo. Originalmente ele é o responsável desde a aquisição dos ingredientes, preparação das refeições, até mesmo pelo trabalho de servir o alimento aos demais monges. Mas mesmo ele sendo o responsável por tudo isso, ainda assim é muito comum o cardápio ser decidido e pensado pelos monges novatos na cozinha. Mesmo os monges iniciantes de primeiro ano recebem o encargo de montar o cardápio das três refeições do dia.

No mosteiro matriz de Sojiji, onde estive pela segunda vez em um mosteiro, nós tínhamos acesso a vários livros de culinária que eram deixados no tenzoryo (departamento da cozinha), quais os monges mais novos usavam para elaborar os pratos do dia. Eles fazem a lista dos ingredientes que pretendem usar, passam para um veterano analisar e então é feito o pedido para a empresa fornecedora. 

Quando eu atuava no cargo de wanju (veterano que ajuda na coordenação da cozinha), os monges mais novos me apresentavam a lista de ingredientes, eu analisava, checava se estava de acordo e então realizava o pedido. Dessa forma a gente sempre mantinha os cardápios já montados para alguns dias à frente.

Assim que o cardápio do dia seguinte é montado,  eles são colados em lugares para que todos possam consultar ainda na noite anterior. Este inclusive, é uma das instruções descritas pelo mestre Dogen no texto Tenzo Kyokun.

Há também muitas diferenças na maneira de montar o menu de um templo para outro, e até mesmo de um país para outro. É algo natural e que também acho bastante interessante. 

Quando tive a oportunidade de participar de um intercâmbio de treinamento na Europa, pude visitar alguns templos na França, Espanha e Holanda. Cada um dos templos que eu visitava, pude perceber as particularidades na alimentação de cada uma dessas comunidades.

Nos templos de Ryuumonji na França e no Seikyuji na Espanha, por exemplo, eles possuíam costumes e procedimentos para as refeições muito próximos um do outro, justamente pelo fato de pertencerem à mesma linhagem proveniente do mestre Taisen Deshimaru. Já no templo Zensenji (Zen River) da Holanda, os procedimentos para as refeições se diferenciavam bastante destes dois primeiros, por serem de uma linha diferente.

 

Na próxima edição traremos a segunda parte da entrevista com o monge Joken. Ele compartilhará conosco sobre as mudanças na alimentação nos mosteiros no Japão durante a Pandemia. Não perca!

 

Entrevista realizada por de Elaine Kôhô光法. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

 

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