As Raízes Culturais da Comemoração do Despertar (Rohatsu)

 

O Rohatsu é uma data importante para os budistas Mahayana do leste da Ásia. Nesta data, se comemora o despertar de Sidarta Gautama, o Buddha histórico que, naquela época, estava praticando embaixo da árvore Bodhi (uma figueira da espécie ficus religiosa) e alcançou a iluminação nas primeiras horas do dia, ao ver a estrela da manhã (nome dado ao planeta Vênus, quando aparece no leste antes do amanhecer).

No Japão, para o Zen Budismo, essa data se chama Rōhatsu (臘八), que significa, literalmente, o oitavo dia do décimo segundo mês. Já na China, se conhece como Laba, de significado semelhante, também comemorado no 12° mês, mas, nesse caso, do calendário chinês (geralmente entre dezembro e fevereiro para o calendário gregoriano). Seu nome anglicizado é o Bodhi Day, ou Dia de Bodhi, um termo guarda-chuva para a data. Bodhi é uma palavra em pāli e sânscrito que deriva da raiz verbal Budh, acordar, e significa aquele que acorda, o Desperto. O dia de Bodhi, então, é quando comemoramos o despertar de Sidarta, ou seja, efetivamente quando Sidarta se torna Buddha, o Iluminado.

Essa é uma história muito conhecida, quem sabe o mais importante fato histórico do Budismo. Como será, então, que se dá a comemoração desta lembrança auspiciosa nas diversas culturas que fazem parte do corpo dessa religião? Isso é o que planejamos explorar nesse artigo.

Vamos retornar à árvore cuja sombra permitiu que Sidarta praticasse. Ela existiu, e de certa forma ainda existe, na cidade que hoje se chama Bodhgaya, no distrito Gaya do estado de Bihar, na Índia. Essa árvore, uma figueira de folhas que parecem corações, foi cortada algumas vezes durante os mais ou menos 2600 anos desde o dia da iluminação de Buddha, mas sempre a replantaram, de forma que ela, atualmente uma amálgama de antigas e novas árvores, preside magnânima sob o templo Mahabodhi até os dias atuais.

A árvore de Bodhi, em uma belíssima metáfora que remete à forma com que o Budismo foi se expandindo pela Ásia e além, tem muitos descendentes espalhados pelo mundo. Podemos encontrar representantes de sua família em vários lugares, como no Japão, no Havaí, nos Estados Unidos e até no Brasil, onde existem, por exemplo, árvores diretamente descendentes da indiana no templo Busshinji, em SP, e no templo Daissen Ji, em Florianópolis. Mas porque mencionamos a árvore Bodhi ao falar do Rohatsu? Porque talvez seja lá, no terreno de Bodhgaya, onde está a figueira, que identifiquemos uma das primeiras manifestações de uma comemoração budista.

A árvore de Bodhi em Bodhgaya, atualmente

 

Por exemplo, o imperador indiano Ashoka, o importante monarca budista da dinastia Máuria, honrava anualmente a árvore de Bodhi com um festival durante o mês Kārtika, do calendário Hindu (entre outubro e novembro do gregoriano). Mas há indícios arqueológicos de presença budista na região anterior a isso, então quem sabe a quanto tempo não se comemora o evento da iluminação do Tathāgata (Termo pāli que o Buddha histórico comumente usava para se referir a si mesmo nos sutras, significa literalmente “assim foi”, que pode ser contextualizado como “aquele que foi e alcançou o despertar”)? O que sabemos é que a imagem da figueira se firmou fortemente no simbólico do dia do despertar, e hoje é um dos símbolos mais relevantes para esta data.

Algumas pessoas comemoram o dia de Bodhi trazendo para dentro de casa e decorando árvores semelhantes à árvore de Bodhi com luzes (que simbolizam as três joias: Buddha, Dharma e Sangha) e fazendo pequenos biscoitos ou bolos na forma das folhas desta. Imagens de Buddha são expostas, muitas vezes decoradas com folhas da figueira indiana, e velas e incensos acesos. Existe também o costume de se consumir variações do Kheer, um tipo de pudim de arroz doce com leite indiano que Sujata deu à Sidarta ao vê-lo abaixo da árvore, quando este estava sofrendo as consequências do ascetismo extremo. Ação vital que ajudou Buddha a recompor suas forças, redefinir sua prática e atingir o despertar.

Estátua de Buddha com origamis representando as folhas da árvore Bodhi, costume de comemoração do Dia de Bodhi.

 

No Japão, além do Rohatsu ser uma época de prática aprofundada, como é da tradição do Zen, com o Rōhatsu Sesshin (um período de retiro e prática meditativa constante que dura do primeiro dia de dezembro e termina no dia do Rohatsu), se plantam novas árvores durante todo o mês, tradição que geralmente é acompanhada pela cerimônia do chá. Incenso e luzes multicoloridas também são expostas na capital de Tóquio e em cidades e aldeias de todo o país durante esta época. No ocidente, principalmente na América do Norte, alguns budistas resinificam o pinheiro, figura da comemoração do Natal, como representante da árvore de Bodhi, decorando-o com as luzes das três joias!

Porém, vale a pena ressaltar que, mesmo que a tradição de comemorar a vida de Buddha em todos os seus aspectos seja algo comum a todas as culturas do Budismo, nem todas comemoram a iluminação no dia 8 de dezembro (Esta data foi definida em relação ao nosso calendário gregoriano, e, como já mencionado, varia em diferentes calendários, como o chinês ou o lunar), tendo variações significativas entre as comemorações. Por exemplo, os budistas da escola Theravada comemoram o nascimento, a iluminação e o parinirvana (o dia de sua morte) de Buddha no mesmo dia, chamada Vesākha, ou Vesak, que é normalmente em maio. Os budistas tibetanos também observam estes três eventos na vida do Buddha ao mesmo tempo, durante o Saga Dawa Duchen, que normalmente é em junho. Diferentemente   dos budistas do leste asiático, como é o caso do Japão, que comemoram o despertar de Buddha no décimo segundo mês e tem uma data separada para comemorar o seu nascimento, que geralmente é em época aproximada ao Vesak, como é o caso do festival japonês Hana Matsuri (Festival das Flores), que será comemorado no 8 de maio do ano que vem.

Monges Theravada comemorando o Vesak

No mais, podemos aproveitar as datas comemorativas da vida e do trabalho de Sidarta Gautama como uma oportunidade de reafirmar nossa diligência no caminho budista e nosso compromisso com as três joias. Neste fim de ano, que tenhamos um bom Rohatsu!

Texto de Matheus Coutinho. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

 

 

Fontes:

wikimedia Commons

De G3krishna – CC BY-SA 4.0

https://en.wikipedia.org/wiki/Bodhi_Day

http://lakdiva.org/mahavamsa/chap017.html

https://www.learnreligions.com/rohatsu-449855

https://commons.wikimedia.org/w/index.php?curid=44996236

http://davidvictorvector.blogspot.com/2012/12/bodhi-day-2012.html

https://sociedadebudistadobrasil.org/2020/05/06/feliz-vesak-2020-2643/

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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