Carta Aberta

Na data de 20de março de 2021, Monge Genshô e Monge Enjo Stahel assinaram a seguinte carta aberta:

Venho, como budista, à público, nesta Carta Aberta, manifestar-me sobre a grave situação vivida neste Continente que nos impõe o Coronavírus e a falta de políticas públicas eficientes, baseadas no que a ciência possa nos oferecer.

Nosso pesar e solidariedade para com todas as famílias enlutadas – que neste 18 de março ultrapassam a triste marca de meio milhão, neste Continente. São perdas irreparáveis, que devem ser honradas.

A vacina – nossa melhor arma, desenvolvida graças à cooperação internacional e aos inegáveis avanços da ciência – ainda não está disponível na escala necessária para conter a disseminação exponencial da doença e evitar mais mortes. É preciso que se busque efetivamente o esforço para obtê-las, buscando os recursos que forem necessários.

Lamento veementemente os discursos relativistas e negacionistas, que denotam um descolamento da realidade fartamente documentada nos países que representamos. Que autoridades representantes de Estado manifestem-se publicamente duvidando da gravidade da situação nos parece indefensável.

Basear-se nas medidas científicas e racionais, no conhecimento histórico do comportamento de pandemias, na observância das melhores práticas mundiais para contê-las, é a obrigação de cada Governo. Esperamos que incentivem claramente o distanciamento social neste momento, que apoiem publicamente o uso de máscaras e de medidas simples, como a higiene e que promovam a aquisição e distribuição urgente de vacinas, apoiando ampla e inequivocamente o seu uso. Inclusive dando o exemplo ao vacinarem-se publicamente. E acolham a ciência não recomendando tratamentos e remédios comprovadamente ineficazes.

Não se trata de ignorar o problema econômico que as medidas de isolamento social geram, mas de entender que tratar a Pandemia com a devida seriedade é premissa de qualquer recuperação econômica.

Lamentamos, portanto, a falsa ideia, passada pelos líderes de certos países, notadamente do Brasil, de que é possível preservar a economia sem combater a pandemia com todas as armas sabidamente eficazes e já testadas internacionalmente.

Esta política nos traz onde estamos agora: em meio ao colapso sanitário, fazendo aumentar a taxa de letalidade da doença pela impossibilidade de fazer crescer o sistema de saúde na mesma velocidade que o vírus gera vítimas.

Discursos que minimizam o luto e que expressam um aterrador desprezo pela vida são um choque para toda a comunidade budista, que tem como princípio o respeito a todas as existências. Estamos chocados com essa postura e expressamos aqui, publicamente, nossa vergonha com a falta de comprometimento com a verdade, à negação da realidade, à opressão e intimidação de vozes contrárias ao poder, à repressão das liberdades de expressão, o que, ao nosso ver, indica passos claros na direção de um totalitarismo absolutista e obscurantista, que críamos, havíamos deixado para trás.

Nenhuma morte por imprudência é aceitável em nosso meio. Conclamamos que todas as organizações religiosas e espirituais tenham a mesma postura: não é hora de darmos apoio aos nossos seguidores em eventos coletivos – é hora de apoiá-los individualmente e à distância, com a responsabilidade que assumimos por suas vidas ao reuni-los imprudentemente.

Acolhemos e entendemos a necessidade do trabalho e da manutenção do sustento das famílias porém quanto mais rígidos e disciplinados formos nas medidas de isolamento social, no uso de máscaras, nas medidas de higiene, mais breve será o período de restrição. É um grande exercício de priorização e solidariedade, que devemos fazer como sociedade, pelo bem de todos.

Urge que as medidas sanitárias que garantiram o sucesso em outras regiões do mundo sejam instaladas globalmente, evitando a disseminação descontrolada do vírus. O pensamento isolado em nada favorece o mundo, que agora vê em países como Brasil – responsável por mais da metade das mortes do Continente – o epicentro da epidemia e uma ameaça global, na medida em que neste país disseminam-se novas variantes do vírus, cada vez mais agressivas e letais. A urgência do Brasil é a urgência da América do Sul, e a urgência deste Continente nos obriga a pedir também o apoio internacional.

No Dharma,

Monge Meihō Genshō

Monge Enjo Stahel

Escola Soto Zen

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