Samsara e Nirvana: um mundo maravilhoso

 

Mesmo antes de adentrarmos aos ensinamentos budistas, com um pouco mais de profundidade, muito se ouve falar sobre samsara e nirvana, o que pode despertar certa curiosidade inevitável. Esses termos nos podem ser familiares, remetendo comumente a condições análogas de “inferno” e “paraíso”, para os mais desavisados.

O budismo não caminha sobre essas definições. Não há infernos que nos condenem a sofrimentos perpétuos ou mesmo paraísos para a salvação de uma alma imutável e imortal. A existência, em sua proposta mais original e autêntica, segundo os ensinamentos do Buda, é uma manifestação de causas e efeitos interdependentes, cuja análise, nossa vã filosofia ainda é demasiado limitada para pleno entendimento intelectual, refém de definições e julgamentos pessoais.

É importante, acima de quaisquer definições, ter-se o entendimento que, ambos, samsara e nirvana, são manifestações de nossas mentes. Sansara, é o fruto, o reflexo de uma mente condicionada, repleta de ilusões, enquanto nirvana, define uma mente liberta da agitação de paixões e desejos. Em uma de suas palestras, inclusive, monge Genshô nos define nirvana: fogo extinto. Sim, literalmente, é esse seu significado. Assim, remete-se à extinção de toda e qualquer conturbação mental, na qual nossa mente se apazigua.

A busca por nirvana, então, nos parece ser algo valioso e viável. Porém, enganosamente simples. Na verdade, nirvana ou samsara não são definições de lugares e espaços. São nada mais que condições, padrões mentais, alcançados por meio da prática. O que o budismo aponta recorrentemente é que necessitamos mudar a nossa mente. E nossa paz depende disso. Ao mesmo tempo em que isso nos soa demasiado abstrato, é importante sabermos que não se trata de algo distante e intangível. Ao contrário. Trata-se de uma atitude de autorresponsabilidade, capaz de nos conferir uma liberdade sem igual. E isso é maravilhoso!

Nirvana e samsara são, por assim dizer, faces de uma mesma moeda, condições de uma mesma mente, capaz de perceber experiências de uma forma iluminada ou rodeada pela ignorância. Dessa forma, a maneira como reagimos ao mundo, às condições adversas, às contrariedades, às surpresas agradáveis ou desagradáveis irão determinar o quanto estamos próximos a nirvana ou quanto ainda estamos embriagados por samsara.

A definição mais genuína para o budismo seria método. E como todo método, o budismo requer prática. Portanto, o nirvana só pode ser alcançado pela prática de uma vida ética e compassiva. E o caminho que conduz a isso são as experiências em samsara. Sim… a vida é, por si só, uma grande escola.

É preciso cultivar um olhar atento para enxergar o nirvana. É preciso ter paciência, vigia e escuta íntima, de forma que nossas ações, falas e pensamentos sejam rodeados pela mente iluminada. Pensando nisso, nossas adversidades, são grandes oportunidades para o cultivo da sabedoria que nos extingue o fogo de uma mente vulnerável.

Certa vez, durante a palestra de uma Lama, na Escola Tibetana, ouvi uma definição muito importante: “Falamos em samsara e nirvana, mas apenas conseguimos enxergar samsara. Isso porque não construímos causas e condições (karma) para ver nirvana. Porém, se essa oportunidade lhe é dada, de saber que é possível mudar a sua forma de enxergar o mundo, não perca tempo!”

Sansara e nirvana não representam nem medo, nem esperança para uma mente pacífica. Apenas enxergar o mundo como maravilhoso! É esse o segredo. Proponho, de forma ousada, remeter à composição “What a wonderful wolrd” de Bob Thiele / George David Weiss / George Douglas, eternizada na voz de Luis Armstrong, na qual, em estado de pleno contentamento, a letra descreve o valor do momento presente, em um mundo repleto de significado, símbolos que falam muito mais do que o gesto por si só. A riqueza da existência, em momentos sublimes, que se eternizam, porém jamais voltam. O mundo é maravilhoso!

Que mundo maravilhoso

Eu vejo as árvores verdes, rosas vermelhas também.

Eu as vejo florescer para mim e para você

E penso comigo: que mundo maravilhoso!

 

Eu vejo os céus tão azuis e as nuvens tão brancas

O brilho abençoado do dia e a escuridão sagrada da noite

E eu penso comigo: que mundo maravilhoso!

 

As cores do arco-íris, tão bonitas no céu

Estão também nos rostos das pessoas que passam

Vejo amigos apertando as mãos, dizendo: Como vai você?

Eles realmente dizem: eu te amo!

 

Eu ouço bebês chorando, eu os vejo crescer

Eles vão aprender muito mais do que eu jamais vou saber

E eu penso comigo: que mundo maravilhoso!

Sim, eu penso comigo: que mundo maravilhoso!

 

Texto de Julie Amaral. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen

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