Origens e História do Zen – Parte 3

 

No Sutra Lankavatara, Buda é mencionado como tendo dito: “ʺSe um homem se apega ao significado literal das palavras… a respeito do estado original da Iluminação, o qual não­‐‑nascido e que não morre, começa a ter pontos de vista positivos ou negativos. Assim como as diferenças dos objetos são vistas como ilusão, e distinguidas como reais, se afirmações errôneas forem feitas, as distinções errôneas continuam. É por meio do ignorante que as distinções continuam, e o sábio faz o contrário.”ʺ E, como vemos no Sutra Vajraechedika (do Diamante):

Assim você deve pensar deste mundo fugaz; uma estrela no amanhecer, uma espuma no regato; uma faísca de relâmpago, em uma nuvem de verão; uma lâmpada cintilando, um fantasma, e um sonho.

Muito embora o Dharma tenha sido formulado dentro das Quatro Nobres Verdades, do Caminho Óctuplo, das Cinco Virtudes Espirituais e dos Cinco Obstáculos à Prática, dos Doze Elos da Existência Condicionada e muito mais, todos estes constituem os diversos meios práticos para compreendermos a verdadeira natureza do coração e da mente humanos. Por isso, em outro lugar, os Sutras nos falam que, entre a Iluminação, em Magadha, e a morte ou paranirvana, em Kusinagara, Buda não proferiu nenhuma palavra de ensinamento; que não alcançou a Iluminação embaixo da árvore Bodi, em Magadha, e que eternamente esteve sentado sobre o “ʺPico dos Abutres”ʺ, pregando o Dharma para a assembleia (o Sangha).

Em Zen Flesh, Zen Bones, tradução para o inglês de Nyogen Senzaki e Paul Reeps, encontramos o seguinte:

Buda disse: Considero a condição dos reis e legisladores como grãos de poeira. Observo os tesouros de ouro e as pedras preciosas como sendo tijolos e seixos. Para mim, as mais finas vestes de seda são trapos esfarrapados. Vejo mundos de miríades, no universo, como pequenas sementes de fruta, e o maior lago da índia como uma gota de óleo no meu pé. Percebo os ensinamentos do mundo como a ilusão dos mágicos. Distingo a mais alta concepção de libertação como um brocado dourado de um sonho, e vejo o caminho sagrado dos iluminados como flores que aparecem nos olhos de alguém. Encaro a meditação como o pilar de uma montanha, o Nirvana como um pesadelo no dia. Considero o julga mento do que é certo e errado como a dança sinuosa de um dragão, e o aparecer e desaparecer das crenças como nada mais do que vestígios das quatro estações.

 

Na tradição Zen, diz‑se que, durante todos os quarenta anos de ensinamento, Buda só teve um sucessor no Dharma, seu discípulo mais antigo, Mahakashyapa. É assim que D.T. Suzuki conta a história do Daí‑Kensho de Mahakashyapa:

Buda estava um dia no Monte dos Abutres, pregando para uma congregação de discípulos. Ele não recorreu a nenhuma longa alocução verbal para explicar o assunto que estava tratando. Simplesmente, levantou, perante a assembleia, um buquê de flores que um dos discípulos lhe havia oferecido. Nenhuma palavra saiu de sua boca. Ninguém entendeu o significado dessa atitude, a não ser o venerável Mahakashyapa, que serenamente sorriu para o mestre, como quem tinha compreendido muito bem o seu ensinamento silencioso.

Buda, vendo o que se passava, solenemente proclamou: ʺTenho o mais precioso tesouro espiritual e, neste momento, estou transmitindoo para vocês, O Mahakashyapa.

De fato, Buda estava dizendo para Mahakashyapa: ʺEsta flor é o verdadeiro caminho e eu a entrego para você. Mahakashyapa teve um insight imediato da experiência do aqui e agora com ʺapenasestas            flores”, da mesma maneira que Sakyamuni experimentou ʺapenas a estrela matutinaʺ. Os símbolos da Iluminação, o manto e a tigela, foram passados adiante e, nas palavras do Sutra do Lotus Branco, ʺum Buda junto com outro Buda aprofundam a realidade da existência inteira! ʺ

Mahakashyapa transmitiu o Dharma para Ananda, outro discípulo de Buda, da seguinte maneira: Ananda perguntou para Kashyapa: ʺO honrado pelo mundo lhe deu o manto dourado, você ganhou mais alguma coisa? ʺ (Em outras palavras, teria o Buda transmitido para Mahakashyapa algum ensinamento secreto?) ʺAnandaʺ,   gritou Kashyapa.  ʺsim senhor” respondeu Ananda. ʺDerrube o mastro da bandeira do portãoʺ, disse Kashyapa. Debaixo do impacto de ouvir e responder, Ananda estava no momento completamente alerta. Não faltava mais nada para ele compreender. Katsuki Sekida diz o seguinte sobre isto:

“Quando vai haver a palestra de um mestre, a bandeira é hasteada no mastro do portão do templo. Mas, agora, o mastro tinha que ser derrubado. A palestra de Kashyapa acabou. A derrubada do mastro é a confirmação drástica da transmissão do Dharma para Ananda. Derrubar o mastro da bandeira tem outra implicação importante: é derrubar o seu próprio apego, derrubando seu tesouro: Iluminação, Zen, seu mestre, Buda, tudo. Este ato de derrubar é usado como um Koan independente. O mestre perguntará: “ʺComo você derruba o mastro da bandeira?”

Texto produzido pela coluna História e Sociedade.

 

Fonte:

O livro de ouro do zen – David Scott e Tony Doubleday; tradução de Maria Alda Xavier Leôncio – Rio de Janeiro – RJ: Ediouro, 4ª ed. 2001.

 

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