O Respeito à Liberdade e à Diversidade Religiosa

 

Quando falamos em respeito à diversidade religiosa, é comum que as pessoas logo imaginem algum tipo de reunião idealizada com todas as religiões encontrando algo em comum no seu sagrado e, por meio disso, encontrar a tão sonhada paz entre os povos. Essa visão vem de uma concepção equivocada do respeito à diversidade, como se isso só fosse possível, porque se pressupõe que deve haver algo em comum nas doutrinas religiosas que se possa chegar a um consenso.

Esse não deve ser o objetivo e nem o projeto de quem busca a liberdade de pensamento e de crença. O simples motivo de haver pessoas que não acreditam em nenhuma religião já é o suficiente para que isso não dê certo, entretanto, essas pessoas precisam igualmente ser asseguradas de que podem continuar assim e está tudo bem. Sem falar que pode vir a surgir uma crença absolutamente diferente de tudo que já existe e, por conseguinte, também merece toda liberdade de existir.

A liberdade de crença e de não-crença, a liberdade de pensamento, talvez seja a mais ampla, em razão de que a capacidade da mente humana é ilimitada e as possibilidades são infinitas. Crenças diversas já existiram, outras ainda existem e poderão surgir ainda mais. Essa imensa gama de possibilidades expressa a própria diversidade humana, e não pode ser reduzida por uma pretensão de forçar uma unificação universalista, como alguns movimentos já tentaram fazer.

Dentro de algumas religiões mais numerosas, existem diferentes versões ou vertentes que muitas vezes buscam um diálogo de fé, como é o caso das igrejas cristãs, no movimento chamado ecumenismo. O ecumenismo é um movimento tipicamente cristão, seja de um intercâmbio ou apenas diálogos entre as diferentes vertentes.

Quando se fala em liberdade e diversidade religiosa, não se procura achar um ponto comum entre as religiões ou unificá-las, nem fazer com que haja algum tipo de sincretismo concreto ou abstrato. É preciso deixar que elas sejam exatamente como são: diferentes! Esse é o grande desafio, respeitar e cuidar da diversidade e da multiplicidade de pensamento e de crenças, de tal maneira que dentro de uma cultura de paz elas possam se expressar livremente. Ressalvada aqui a condição mínima de existência mútua, obviamente.

Os direitos fundamentais da humanidade como indivíduo ou como coletividade já são pensados e discutidos há bastante tempo. Sobretudo após a Segunda Guerra Mundial, esses direitos fundamentais vieram à tona nas discussões sobre as atrocidades contra as vítimas civis que sofreram abusos e violências diversas, levando inclusive ao genocídio terrível deste período.

Claro que em outros períodos de nossa história, crimes igualmente terríveis arrasaram povos e pessoas por todo mundo, mas os poderes tecnológicos das armas nucleares colocaram em perigo a própria existência da humanidade como espécie no mundo. Por isso, os governos atuais e entidades organizacionais têm a preocupação com a garantia e manutenção destes direitos fundamentais do ser humano, independentemente do local e cultura onde ele esteja inserido.

Constitui parte da dignidade humana considerar todos os seres humanos como iguais. Sendo assim, um dos principais direitos humanos é a plena liberdade de crença ou não-crença, seja ela qual for, desde que não ameace a existência nem dignidade dos demais seres humanos. Este aparente limite de liberdade, por vezes considerado como base da cultura de paz, ou princípio de harmonia mínima ou tolerância, é o fundamento que garante que uma determinada crença ou não-crença não possa ameaçar a própria liberdade e diversidade.

As pessoas pensam, acreditam e gostam de formas diferentes, e costumam se agrupar conforme estas variedades que por sua vez se manifestam em diferentes culturas, crenças e organizações. Essa diversidade é rica e típica de nossas sociedades. Vivemos num mundo pluralista em agrupamentos e em indivíduos. É por isso, que respeitar essa diversidade e multiplicidade é também respeitar a dignidade humana.

Como direito fundamental, dentro do princípio de igualdade entre as pessoas, a tolerância e o respeito às diversas crenças e não-crenças constitui a garantia daquilo que é tão íntimo de cada ser humano, sua crença ou não-crença religiosa ou espiritual (que de tão íntima, até mesmo as palavras “religiosa” ou “espiritual” parecem insuficientes para expressar a riqueza desta dimensão).

Por outro lado, a experiência de perceber o “diferente” muitas vezes pode ser difícil para algumas pessoas, e é ainda comum sermos estimulados a rejeitar o que parece diferente ou o desconhecido, frequentemente até repeli-los com algum tipo de violência.

É preferível não generalizar apenas como “desconhecido” o que é percebido por esse impulso de rejeição, porque algumas vezes até temos algum conhecimento sobre esse “diferente”. É claro que cada pessoa tem suas afinidades e tendências, sem falar no próprio contexto familiar e cultural onde a pessoa está inserida. É exatamente por isso que é preciso um trabalho de conscientização e de educação para a tolerância, para o respeito e para uma cultura de paz.

Quando falamos de tolerância, estamos propondo o mínimo, que seria um convívio sem ameaças de qualquer tipo de violência direta ou indireta, é uma condição básica de coexistência. Obviamente, seria nosso desejo que pudesse haver mútuo respeito e aceitação, que são as condições ideais, principalmente em Estados Democráticos, porém, infelizmente sabemos que em razão da diversidade humana, também há a diversidade de regimes políticos, que muitas vezes dificultam ou impossibilitam essas condições de harmonia pacífica.

Portanto, a luta contra a intolerância é o movimento fundamental pela busca da garantia dos direitos humanos fundamentais no que diz respeito ao pensamento e à crença do indivíduo ou de grupos.

O Fórum da Diversidade Religiosa da Paraíba, na sua Carta Pelo Respeito à Liberdade Religiosa, Diversidade Religiosa e contra As Formas Correlatas de Intolerância Religiosa, traz o conceito de Intolerância Religiosa como qualquer ato ou conjunto de atos ou manifestações que denotam favoritismo, distinção, violência, exclusão, restrição, ou desprezo à dignidade, características, convicções ou opiniões de crença ou não crença das pessoas por serem diferentes ou contrárias, seja em qualquer área da vida pública ou privada, cujo propósito ou efeito seja anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em condições de igualdade, de um ou mais direitos humanos e liberdades fundamentais.

Ela pode ser indireta, quando um dispositivo, prática ou critério aparentemente neutro tem a capacidade de acarretar uma desvantagem particular para pessoas pertencentes a um grupo específico, baseado na sua crença ou não-crença.

Infelizmente, é impressionante como as formas de violências e intolerância religiosa parecem ter a habilidade de se reformularem muito rapidamente e se disseminarem política, social, cultural, simbólica, psicológica, física, emocional e linguisticamente. Por isso, grupos em todo o mundo, com representantes das mais diversas expressões religiosas e não-crenças se unem para tentar proteger esse direito tão humano e tão íntimo do indivíduo que é sua relação com aquilo que ele acredita ou não.

É uma experiência fascinante perceber o quão o outro pode ser diferente, não apenas externamente, mas internamente, e mesmo assim vivermos harmoniosamente em uma mesma sociedade. Quando se cuida do direito do outro ter uma crença, estamos cuidando também do nosso próprio direito, inclusive de livremente mudar de pensamento, opiniões e crenças.

A militância pela liberdade e diversidade religiosa é sobretudo uma conquista contínua pela preservação dos direitos humanos mais fundamentais. É uma luta que perpassa pela educação e conscientização incessante, é um processo também de reconhecer na alteridade, a riqueza da minha própria existência humana, na medida que também pode se constituir como um autoconhecimento.

 

Texto de monge Taishin. Monge na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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