Daissen 20 Anos – Entrevista com Monge Chûdô

Foto: Monge Jitsugen e Monge Chûdô

Seguindo as comemorações dos 20 anos da comunidade zen-budista Daissen Ji, nesta edição tivemos o prazer em entrevistar o monge Chûdô, monge da sangha de Florianópolis.

Como ele mesmo diz, seu encontro com a Daissen foi ao acaso, subiu para conhecer a sangha, sentou e não mais levantou. E hoje em dia, com sua humildade e alegria, é uma grande inspiração para todos os praticantes.

 

Poderia nos contar um pouco sobre sua trajetória no Budismo? O que o levou a esse caminho?

Monge Chûdô: Bom, minha família nunca foi religiosa, não lembro de ter ido à alguma missa uma única vez na vida. Minha mãe talvez fosse a única que tivesse algum tipo de inclinação religiosa, ela era da Umbanda e mais tarde Kardecista, mas nunca fez nenhum esforço para que fôssemos junto nas sessões que ela participava. No meu tempo de criança a catequese para a primeira comunhão cristã era feita na escola e quando disse que não queria fazer, tinha uns 10 anos, minha mãe foi chamada na escola e sua resposta foi: “Ele não quer, o que vocês querem que eu faça, que o obrigue?”. Passei minha adolescência e início da fase adulta sem uma religião, não lembro se acreditava em Deus, mas se acreditava com certeza não rezava. O que acontecia do “outro lado” nunca foi meu objeto de estudo, nunca me preocupei. Lia algumas coisas aqui e ali, mas sem nunca me aprofundar.

Nunca recebi nenhum chamado, nunca tive uma epifania, nunca escutei vozes me dizendo para ser isso ou aquilo, não caiu nenhum livro aberto da prateleira com a foto de Budha na minha frente. Tudo aconteceu de forma circunstancial. Na idade de 28 anos, talvez, ganhei um livro do Dalai Lama, simpatizei com as ideias da compaixão e não sofrimento e me tornei vegetariano, mas não era um livro com ensinamentos profundos, não para mim pelo menos. Portanto, não despertou nada em mim além de uma vontade de parar de comer carne. Há quem diga que ainda não estava preparado para o Budismo, pode ser.

Quando comecei a praticar Aikido, os ensinamentos de Pádua Sensei, muito embora ele não siga nenhuma doutrina religiosa, começaram a despertar em mim uma consciência a respeito desta realidade que nos cerca e da possibilidade de ela ser uma construção da mente. Pádua Sensei me levou a ser Uchi Deshi¹ de Kawai Sensei e foi com ele que me aproximei do Zen. Kawai Sensei era budista da seita Shingon e frequentemente sentávamos para recitar sutras, tanto do Budismo como do Shintoísmo. Passava tempo integral com Kawai Sensei, tomávamos café da manhã, almoçávamos e jantávamos juntos, além é claro de nosso trabalho na sua clínica de acupuntura.

Profundo admirador do Zen, Kawai Sensei me falava de suas experiências com meditação, com a recitação de sutras e de suas consultas a Fudo Myo Sama, a entidade máxima do Budismo Shingon. Aliás, ele só me aceitou como seu aluno interno após consulta com Fudo Myo Sama. Mais do que acupuntura e shiatsu, a convivência com Kawai Sensei, suas histórias, suas experiências e seu exemplo de vida me transformaram e o Ápio que retornaria para Florianópolis não era o mesmo que havia ido para São Paulo.

Após meu período de Shugyô² com Kawai Sensei, voltei para Florianópolis e comecei a trabalhar com Shiatsu e outras terapias. No retorno de um atendimento parei em um restaurante para almoçar e li na placa, “Comunidade Zen Budista de Florianópolis”. Antes de almoçar subi ao segundo andar e conheci a sangha. Para minha surpresa, Lucas Brandão, meu amigo e companheiro de treino de Aikido estava de “plantão” naquele dia e deu minhas primeiras instruções sobre zazen. Como podem ver, não é uma história sobre um filho de monge que segue os passos do pai, não é uma história sobre uma epifania, um chamado, uma vocação. É uma história comum como tantas outras, apenas uma vida que segue seu fluxo e encontra um caminho. Não se trata de sincronicidade, apenas uma dentre as trilhões de possibilidades que se materializaram. Vocês podem fantasiar com o que quiserem, não passará nunca de uma fantasia. Como diz Genshô Sensei, “dado o devido tempo todas as possibilidades se esgotarão”.

Como foi seu encontro com a Daissen?

Monge Chûdô: Foi assim, um acaso, uma circunstância da vida, passei na frente do restaurante, subi para conhecer a sangha, sentei e não mais levantei.


O que a Daissen significa em seu caminho como praticante e como monge?

Monge Chûdô: Quando falamos em dôjô ou sangha, estes termos não significam nada se não houver pessoas, caso contrário uma construção nunca passará disso, uma construção com ferros e concreto. Um dôjô é feito de pessoas, é as pessoas. Podemos mudar de instalações diversas vezes, não importa, a comunidade continua.  Com a pandemia este sentimento de que a sangha é as pessoas se fortaleceu e parece que finalmente os praticantes entendem este sentimento, pois a sangha virtual reduziu as distâncias e possibilitou o ingresso de centenas de pessoas que de outra maneira não teriam contato com o Zen. E a partir do virtual, novas sanghas físicas foram abertas, dando oportunidade para as práticas presenciais.  Não há dúvidas que o grupo fortalece qualquer prática. Foi o grupo que me apoiou, foi pelo grupo que fui ao Japão, inclusive foi o grupo que possibilitou minha ida ao Japão por meio da arrecadação do dinheiro para as passagens e compra de roupas monásticas. Conheci muitas pessoas com as quais tenho grande apreço e amizade, mesmo morando na outra extremidade do país, ou mesmo do mundo, como um ou dois monges de Sôjiji Sôin com quem ainda mantenho contato.

 

Ao longo desses anos, como o senhor se encontra hoje na comunidade?

Monge Chûdô: Bom, desde o início disse ao Genshô Sensei que minha ordenação era “culpa” dele e que eu nunca passaria de um monge medíocre. Costumo dizer que existem pelo menos três tipos de monges: os grandes mestres com grandes experiências espirituais, os monges estudiosos com grande conhecimento dos sutras e ensinamentos e os monges que trabalham arduamente. Comigo se inaugura uma nova categoria, fico ali fazendo número para as fotos (risos). Sem muito fundamento, pelo menos para mim, Monge Genshô continua pensando que tenho alguma utilidade como monge e me colocou como o monge da Sangha de Florianópolis. Então estou na Sangha em todos os dias de prática e nas quartas-feiras abro as portas da sangha para os iniciantes.

Poderia deixar uma mensagem sobre os 20 anos?

Monge Chûdô: “Não meça os resultados de suas ações. Meça seu esforço”. Bhagavad Gita

 

  • Literalmente aluno interno ou aluno da casa. Uchi Deshi é o aluno que mora com o professor e trabalha para ele nas mais diversas funções. Pode lavar roupa, fazer comida, ir ao mercado ou banco. No meu caso, além destas ocupações ainda era motorista do Sensei e trabalhava em sua clínica limpando banheiros, arrumando as macas e fazendo shiatsu.
  • Treinamento duro, austero, com muitas dificuldades. Na cultura japonesa o shugyô é considerado um período de grande provação para o praticante, pois ele é testado de todas as formas.

 

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