Meu Primeiro Sesshin: o Brotar de Uma Semente

 

Estar em um Sesshin tem tantas peculiaridades que acabo por me perder sobre por onde devo começar. São novos aprendizados, novas formas de ver e uma incessante (re)construção que apenas vivenciando se pode compreender completamente. A verdade é que este momento foi feito para nos desconcertar, para ficarmos reflexivos e colocarmos em dúvida todas as nossas certezas que nada mais são do que criações de nossas mentes.

Quando o sino tocava às 4h30 da manhã, eu sentia uma espécie de “estalar” onde simplesmente levantava, sem pensar muito, sem verificar se havia dormido a mais ou a menos, se estava muito cedo, se o sol já tinha aparecido ou não. Lavar o rosto, escovar os dentes, trocar de roupa, ir para fora e ali, silenciosamente, aguardar o momento para entrar no Zendô (sala de meditação),

Então, do lado de fora, eu conseguia ver meus companheiros de prática. Imediatamente vinha-me a sensação de que todos parecíamos conectados. Mesmo não dizendo nada, de alguma forma sentíamos o mesmo e sabíamos que os sinos eram nosso idioma e o Zazen nossa mais forte ligação.

As práticas eram extenuantes, mas ao fim de cada uma nascia a sensação de estar no caminho certo, de que todos éramos um, de que partilhávamos os mesmos desconfortos, que apesar de tantos desafios diferentes, era possível que o todo se transformasse em um só.

Nossa mente pode falar muito alto, gritar e tentar nos persuadir a desistir, nos fazer pensar que não conseguiremos, que nem deveríamos estar ali! Ela vai gritar que o melhor é ir embora, vai apontar dizendo do absurdo que é acordar tão cedo, comer pouco, participar de certos rituais, vai nos encher de medo e em cada erro e dúvida que tivermos ela vai tentar explodir dois grandes venenos: o ego e a vaidade.

Aconteceu comigo! Errei uma, duas, três, quinze vezes. Na primeira senti uma vergonha imensa, uma vontade de chorar e uma culpa por ter errado, fui dormir chateada comigo mesma para, no dia seguinte, ter um novo erro, mas dessa vez apenas pensar “bom, agora eu aprendi algo novo” e naquele momento ficar em paz. São pequenas batalhas internas e a cada vitória, a cada momento podemos compreender que nada sabemos, é apenas uma chance de fazer diferente.

Tudo tem um significado: desde a hora de acordar a hora de dormir. Cada passo, cada Zazen, cada Samu, o momento de comer, o momento de reverenciarmos tudo que recebemos a partir de tantos esforços. De frente a parede o mundo invade nossa mente, memórias que não fazíamos ideia existir se apresentam como um quadro pintado de cores vivas, pensamentos do que gostaríamos de fazer, arrependimentos, dores, tudo que tenta nos carregar para longe e com isso lutamos e tentamos voltar para o momento presente tantas vezes que eu, pessoalmente, nem consigo contar.

O Sesshin nos prova, nos mede, nos deixa iguais a todos, cria uma sensação – a única que deveria verdadeiramente existir – de conjunto, de todo.

A atenção é o segredo! Tudo para ficarmos no momento presente, para nos atentarmos a cuidar e respeitar nossos companheiros, sempre pensar como fazer para não causar transtornos a quem está ao nosso lado, focar, respirar, deixar as amarras do “eu” para trás e permitir que a semente da compassividade possa começar, aos poucos, brotar dentro de nós.

Como tudo em nossa existência só floresce quando cuidamos, regamos e alimentamos, o Sesshin vem justamente para ser as gotas de água, os raios de sol e o alimento para que, após esta experiência, possamos continuar o trabalho que fora iniciado. A flor está dentro, os primeiros cuidados foram feitos e nós somos os responsáveis por sua continuidade.

O fim do Sesshin é o corte, é quando somos jogados para a vida real e é impossível não nos depararmos com um primeiro estranhamento. O mundo lá dentro parecia mais sereno, mais brando e mais lento. E aqui, em meio a sirenes, trânsito e desordem está justamente onde tudo que sentimos naqueles dias, todo o aprendizado e sensações precisam criar raízes. Essa é a vida que vai nos viver e de onde não podemos fugir. Então, o que nos cabe, é abraçar o saudosismo dos dias de práticas intensas, porque sim, até as dores na lombar vão fazer falta e colocar sentido em nosso trabalho, em nossa casa, na forma como vemos tudo ao nosso redor. É aqui, no final das contas, que a semente vai florescer.

 

Texto de Juliana Aires. Praticante na Daissen Ji. Escola Soto Zen.

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