A Tradição do Silêncio

O silêncio é uma marca profunda da vida no Japão. Ele não é apenas ausência de palavras, mas expressão de respeito e busca de harmonia. Nos espaços públicos, mesmo em meio ao movimento intenso das grandes cidades, o silêncio se faz presente. Nos trens lotados de Tóquio, não se ouvem conversas ou chamadas telefônicas, apenas o som do vagão em movimento e os anúncios, quase sempre iniciados com um pedido de desculpas pela espera ou pelo incômodo.

Esse silêncio, no entanto, não é rigidez. Há momentos em que se dissolve naturalmente — como nos izakayas ou no karaokê, onde risos e vozes encontram seu lugar. Assim, a vida japonesa nos ensina que tudo tem seu tempo e seu espaço, e que a harmonia coletiva está acima do impulso individual.

No transporte público, por exemplo, a regra é clara, mas silenciosa: primeiro desembarcam os que estão no interior, depois embarcam os que aguardam. Se alguém, por distração, não seguir essa ordem, dificilmente haverá censura ou repreensão. O erro não gera confronto, mas silêncio — e nesse silêncio há oportunidade de reflexão.

Dessa forma, a convivência é conduzida mais pelo exemplo do que pela cobrança. No Ocidente, muitas vezes se valoriza a afirmação direta, o discurso e a reivindicação. No Japão, a força manifesta-se antes no silêncio, na paciência e na ação discreta.

Essa tradição do silêncio e da comunicação indireta talvez guarde ressonância com a própria prática do Zen. Na escola Sōtō, aprendemos que não é necessário buscar explicações ou palavras excessivas. Basta sentar. Zazen nos ensina que o essencial está além do falar: está no agir, no respirar, no simplesmente ser.

Não é casual que a sociedade japonesa, mais do que outras na Ásia, tenha absorvido essa herança do Zen — sobretudo durante a era Tokugawa, quando a vida monástica e seus hábitos se integraram profundamente ao cotidiano do povo.

Na nossa prática, esse espírito é claro. Ao fim de um sesshin, convivemos lado a lado com irmãos e irmãs de Dharma sem trocar uma só palavra — e, no entanto, um vínculo íntimo já se formou.

Ser mais silencioso é um treino. Guardar palavras e barulho para os momentos adequados é cultivar harmonia. E, mais ainda, aprender a não criticar, não reivindicar, não reprimir o próximo, mas apenas deixar que cada um se revele como é, sem julgamento.

Assim, o silêncio é e não é o vazio: é campo fértil em que a compaixão e a sabedoria florescem.

 

Texto de Thiago Myōkan. Praticante na Comunidade Zen-Budista Daissen. Escola Soto Zen

 

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